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quinta-feira, 29 de abril de 2010

QUEM AMA, TRAI?

Pra Nelson Rodrigues isso é fato.
Só quem ama, trai.
De fato, quem trai, trai alguém que ama.
Se não amasse, não trairia.
Questão de sintaxe.
Porém, o amor não comunga traição.
Ele é traído no mesmo prato dela.
Tantas vidas traídas se atraem.
Tanto amor comungado e traído!
O peso do prato não conta no preço.
Atraí-me, ó vós, que nos amais mais!

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Dentro da baleia gorda e enorme

Hoje amanheci com vontade de ser cuspido na praia.
Sinto-me dentro de uma grande baleia. Gorda. Enorme.
As baleias ainda são enormes.
Preciso fazer azia onde estou.
Roçar o ventre das baleias submersas.
O mundo é uma baleia submersa.
As baleias jogam água pra cima.
Três dias Jonas peregrinou no ventre do mundo.
Três dias peregrinou em Nínive.
Eu peregrino-me no interior de meus enormes sonhos.
Ser cuspido é dom.
Até quando a baleia terá enjoos?
Em que praia atracarei?
Detesto o cheiro de peixe.
Amo baleias gordas.
E enormes.

sábado, 24 de abril de 2010

PULSO EX-PULSO

Quem não pulsa se expulsa.
Hoje me impulsionei a dizer isso.
Um coração que não pulsa mais, já se esvaiu.
Expulsou-se.
Ex-pulso.
De fora do pulso posso ainda falar?
Quanta repulsa há em mim por pulsar-me.
Tenho medo de me expulsar de mim.
Tenho medo de impulsionar-me tanto e...
Cair-me.
Senhor, por que expulsaste Eva do paraíso?
Para mim, só Adão deveria ter saído.
Ele não teve a coragem de ser original. Mentiu.
Morria de vontade de engolir o proibido.
Mas preferiu dizer que a culpa era dela.
Quero pulsar de novo.
Preciso.

terça-feira, 20 de abril de 2010

365 dias

Hoje completo um ano de ordenação presbiteral.
Posso garantir que sou feliz como nunca.
Se nascesse mil vezes, mil vezes seria padre.
Continuo fraco, pecador, e caio muitas vezes.
Minha fragilidade é enorme.
Porém, a cada queda, confio mais naquele que me chamou.
Minhas grandes alegrias nesses dias vieram dos lugares mais simples.
As mãos dos Zés continuam sendo erguidas.
O Cristo pra mim aponta as mãos e o lado.
Só em suas chagas vivas encontro refúgio.
A cada dia, aproximo-me das chagas do Cristo.
365 vezes no ano.
Beijo suas chagas abertas.
A cada Eucaristia, comungo-me nele e Ele em mim.
Consagro-me hoje novamente à vida.
Toda verdade reside nela.
Meu Senhor, e Meu Deus!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Fondo

O verbo ser é um grande problema da gramática.
Aliás, a gramática tem muitos problemas.
Ser no passado é fui.
Porém, como podemos ter sido, se ainda estamos sendo?
Nada do que somos é sem que ainda estejamos sendo.
Hoje quero desverbear.
Fondo! Essa é minha afirmação.
Todos estamos fondo.
Ser sendo é desprezar o pobre coitado do que fui-ainda-há-pouco.
Mesmo que o meu pretérito seja imperfeito, ele é meu.
Nele sejo-me. Nele fundo-me.
Porque o momento do já é algo que ainda não foi.
Eu fondo aquilo que acho que sou.
Sem pretensão de me desviar do meu passado-sendo.
O mundo seria mais belo se nossos fondos se fundissem.
Fundemos o tempo do fondo.
E futuraremos nele.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Do livro "O Corpo de Carne" (Xavier Lacroix) apontamentos

Nosso corpo carnal já é espiritual enquanto Templo do Espírito.
Compreender o corpo de maneira espiritual é compreendê-lo orientado para um futuro.
O homem só é imagem e semelhança de Deus através da carne. (Sto. Ireneu)
O homem todo é espiritual, incluindo aí sua carne.
Ser à imagem de Deus não significa ser um ícone de Deus, mas encontrar-se em seus traços. (Lévinas)
O Verbo se fez carne para que a carne se tornasse verbo. (Marcos, asceta).
Pelo sacramento, o Verbo atinge a alma através da carne. (Sto. Ireneu).
O corpo é o lugar de decisão.
Somos uma carne chamada a ser corpo.
Aspirar a ter um corpo significa viver na esperança de um encontro.
O desejo é um movimento para o outro.
O desejo só será autenticamente desejo se o sujeito for capaz de assumir a irredutível solidão da existência.
Torna-te sujeito de teu desejo.
Tu te tornarás "eu" na relação com o "tu".
O amor não é outra coisa senão a vontade em toda a sua força. (Sto. Agostinho).
Amar é tornar-se espiritual sendo fraco para o outro.
Na ternura, duas fraquezas se reconhecem e confessam uma à outra. Dois seres se conhecem como encarnados, isto é, vulneráveis, próximos, oferecidos.

A lei do desejo

Ontem vi "A lei do desejo" de Almodóvar.
Forte. Cru. Vermelho. Nu.
A música não me sai do ouvido: Duvido!
O que, afinal, nos faz morder a carne?
O que, afinal, nos arranca dos equilibrios inexistentes?
Seria Deus também assim conosco?