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sábado, 27 de outubro de 2012

O BRANCO E O PRETO

Repito. Eles não existem.
São apenas metas muito distantes
Para as outras pobres cores.
Sim, o preto e o branco são apenas possibilidades.
E uma possibilidade nunca poderá ser regra.
Corram atrás de mim, cores marcadas pelo abismo,
Quem sabe um dia vocês me alcancem!
(Gritam elas pelos cantos, sem saber que são da cor do impossível)
A cor é um ser à caminho.
E só por isso eu já as prefiro.
Estar à caminho implica movimento.
Exige suor.
Se o branco e o preto são ilusões,
E em si não existam,
Ainda assim são necessários pra mover um universo feito de arco-íris.
Eu acredito que as certezas não foram inventadas para existir,
Mas para pôr em andamento o criado.
Eu acredito que a incerteza é m motor,
Às vezes ingênuo,
Às vezes cruel,
Mas infinitamente apaixonante.
Eu não suporto quem vê o mundo feito apenas de preto e branco.
Eu prefiro o a certeza de quem é feito de cor.
E sabe-se atravessado pelo Sol com sua potência diafragmadora.
Uma coisa é o branco, outra é a luz.
Uma coisa é o preto, outra a escuridão.
A vida é o que se pinta pelo meio.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Hábitos

O hábito faz o monge.
Aliás, não há nada que o hábito não faça.
A festa começa na roupa que se veste,
O bom do bolo é lamber a travessa onde ele é batido.
O melhor do fim de semana vem na sexta.
O amor acontece mesmo é antes.
Também a verdade se veste de palavras.
E se habitua ao dizível, mesmo que emudecido.
Quando o hábito é bom, chama-se virtude.
E cobre até os pés.
Já vício é mini-saia.
O hábito instaura o tempo no meio do caos.
E se tem algo que ainda tenho como regra é o tempo.
As horas são dogmáticas.
Elas não mudam nunca.
E, mesmo assim, passam.
Para ser feliz. Habitue-se às coisas cobertas por véu.
Não revele o que o mistério quis deixar sob o manto.
Não abra a porta entreaberta.
É na fresta que o "pra sempre" habita.
Habituar-se é habitar-se!
O divino não precisa de teto.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Divórcios

Separar-se em dois, três, vários.
A existência já é um divórcio,
Porque constantemente nos dividimos em muitos.
Aquilo que somos só se revela por aquilo que não somos.
Identificar-se é um suicídio.
No amor, acontece a mesma coisa.
No princípio é o abismo.
E uma escuridão tremenda em forma de suspeita se levanta.
Há um outro enorme em forma de rosto.
Os sete buracos da cabeça evocam o vazio-vazado do risco.
Relacionar-se é um mergulho.
Mais: é um salto ornamental.
Exige criatividade na queda.
O outro é sempre mais fundo do que alcançamos com nossos pés.
Assim, o "ir-em-direção-ao-que-se-ama" é o primeiro divórcio:
O divórcio de si,
Do porto seguro das próprias certezas.
Todo sentimento-sentido, diante do outro, se transforma em criança.
Não existe relacionamento que se sustente sem um pouco de ingenuidade.
E também de cinismo.
O amor iça as âncoras.
Ele levanta as velas.
E se constrói a partir de um remar constante,
Fatigante,
E, às vezes, chicoteado pela insanidade.
É no romper das cordas que o amor acontece.
Não, ele não é feito de segurança.
Muito menos de certezas.
Ele não é feito de praias,
Mas de oceanos inalcançáveis pelos olhos.
O pior adultério é o da hipocrisia.
A pior infidelidade é a da ilusão da estabilidade.
O barco, para continuar navegando,
Precisa saber se mover com as ondas.
É balançando com o mar que se aprende a ficar em pé na proa.
Quando eu faço do outro um ídolo,
E o engaiolo em minhas frágeis grades de insegurança,
Ele já não é outro.
É um eu-desajeitado em forma de medo.
O abismo deve sempre ser considerado intransponível,
E não há pontes, por mais seguras que possam parecer,
Capazes de derrotá-lo.
Entretanto, há barcos, remos, e cansaço.
O amor é feito de mares tempestuosos, e ondas e monstros submersos,
Afogar-se será sempre um possibilidade.
Eles permanecerão turbulentos,
Queira você ou não.
E, por isso mesmo,
São apaixonantes.
O divórcio com o outro
Começa quando não se aprende a divorciar-se de si.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Sobre guerras e amizade

Uma guerra não se faz sem armas.
Mas não é preciso dispará-las para o conflito começar.
É no silêncio do arsenal que a guerra acontece.
Quando se descobre no interior do paiol alheio uma bomba,
O medo levanta trincheiras.
O temor do próprio acende o primeiro pavio.
E a suspeita se transforma em treinamento.
Só há exércitos onde há dúvidas.
E o outro sempre se apresenta a nós vestido de dúvida.
Também um relacionamento humano é uma forma de guerra.
O tiro que sai pela espingarda do próximo,
Esse é o mais difícil de prever.
E também o mais dolorido!
Acredite, o seu próximo um dia ferirá você!
Pior: ele já possui as armas!
E sabe das suas!
Todavia, não acredite que uma guerra só se faz de ódio.
Os rivais são absurdamente necessitados uns dos outros.
Eles se completam.
Também a inimizade gera gentilezas.
Os verdadeiros amigos não são aqueles que nunca atiram,
Mas os que merecem visitar nosso arsenal,
Mesmo que permaneçamos entricheirados.
A amizade não teme abrir fogo,
Ela sabe que as grandes vitórias só se constroem através de grandes batalhas.
O amigo atira.
O inimigo recolhe pistas sobre você para um dia explodir um país inteiro.
O amigo, ao provocar nossa ira,
Nos surpreende com a sinceridade.
O inimigo, faz-nos acreditar numa paz idiota,
Feita de acordos desnecessários e saudações inúteis.
A amizade se prova com o fogo,
Recebido, mas também cuspido.