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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Gramática da Suspeita

Não contem pra ninguém,
Mas uma chuva de evidências me revelaram
Que todos os substantivos um dia já foram verbos.
Sim, foi desse modo que o infinitivo se fez trágico
E habitou o território moral das palavras limitadas.
Assim é a vida humana,
Nascemos todos em forma de interjeição,
Aos berros,
E bem devagarinho, vamos nos tornando verbos.
Chorar, Mamar, Engatinhar, Andar, Correr... Morrer.
Mas a coisa só piora mesmo
Quando o "viver" se condiciona ao "estudar", "trabalhar"...
E tudo isso misturado ao "apaixonar-se", que,
Pra piorar a situação,
Quis se fazer reflexivo desde sempre.
Foi o "se" que substantivou tudo.
E fez dos "abraços", do "beijos", e outros tantos...
Uma carência enorme de objetos
Indiretamente dispostos à indisposição em forma de aposta.
E reveladas em forma de "Tu".
Nos tornamos adultos quando descobrimos que "Amor",
Ainda que termine em "erre" como todo infinitivo,
Já não é mais Verbo, mas qualquer coisa escrita entre aspas...
Que nenhum conceito ou palavra humanas
Podem alcançar ou definir.
É na suspeita de cada "e se...?"
Que o Amor se revela fugitivo...
E absurdamente ilógico.
O deus, que não é bobo nem nada,
Quis mesmo foi, de Verbo, se fazer Palavra.
Pronunciada nas andanças amantes desse mundo des-dito.
Sim, Ele foge dos ditados.
E prefere o mistério do Amor feito gente.
Gr-"Amar"-tica da suspeita.



sexta-feira, 26 de julho de 2013

As três Marias

Elas despontam no leste.
E são as primeiras estrelas que aprendi a reconhecer no firmamento.
As únicas que, se apontadas com o indicador,
Não fazem nascer verrugas,
De tão santas que são!
As três Marias decoram o cinturão do Órion,
E cingem o caçador que se ergue para o combate.
Eu, que escolho sempre as estrelas mais altas para me apaixonar,
Vejo nelas um norte antes mesmo de serem leste.
Trinitariamente deduzem o Criador feito brilho
Que não quis permanecer no céu longínquo,
Mas percorrer à velocidade da luz
O chão escuro e pontilhado de humanos apagados.
Uma estrela precisa ser amada antes de alcançada.
Inatingível, ela se pisca nas nebulosas de si,
Misteriosas, envolventes, e repletas de penumbra.
O vaga-lume não é astro porque se deixa alcançar
E se torna refém dos frascos transparentes que o rodeiam.
As três Marias, impávidas, não apagam nunca.
Como o amor, elas preferem orbitar ao redor dos segredos,
E das idas e vindas chamadas de Noite e Dia.
Eu, que me astronauto em ideias feitas foguetes,
Toco o céu com meus sonhos galácticos.
Para quem se depara com o inatingível e desiste,
Três pontos brilhantes na escuridão são apenas uma constelação
E nada mais.
Mas para quem insiste, sem temer os buracos negros vindouros,
As Três Marias serão sempre sinais
Do amor feito reticências
...



quinta-feira, 25 de julho de 2013

Gramática da Existência

Onde tudo parecer conduzir a um ponto, 
Ver vírgulas. 
Encher de apostos as frases 
Que fizeram de pronomes pessoais meros artigos definidos solitários. 
Traduzir em adjetivo o que o tempo substantivou sem piedade. 
Exclamar, sem pontuar, após cada interrogação, 
Que o Ser preferiu ser uma sequência de hífens. 
E por fim, colocar os "dois pontos" deitados 
E acrescentar mais um, 
Para que o infinito trinitário nos ensine que tudo acaba em reticências 
... 

terça-feira, 23 de julho de 2013

Entre vírgulas

A eternidade pressupõe vírgulas.
Quem já pontuou de finais e finalidades a própria caminhada
Já não tem mais linhas a serem escritas...
Aliás, nem caminho tem,
Está pronto para ser arquivado nas estantes empoeiradas do que já passou.
Sempre detestei arquivos.
Eles são empoeirados e repletos de silêncio.
Não há comunicação entre as pastas gordas e patuscas de documentos.
O que torna uma pessoa jovem
Não é o pouco tempo percorrido de vida,
Mas o o que se deseja enquanto vida para além do tempo.
Velho é quem apagou as vírgulas da própria escrita de si,
E preferiu o "ditado" seguro aos "aforismos" misteriosos do existir.
Um texto que termina em vírgula,
É sempre um texto inacabado,
Onde a palavra procurada ficou à espreita
E não quis se dar ao autor assim de qualquer jeito.
Escrever é procurar as palavras entre o não-dito,
É enfiar-se em brechas onde os conceitos não conseguem adentrar.
O deus feito Verbo e andança não explicou o caminho.
Se fez caminho.
E repousou a verdade ente o caminho e a vida.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

O Dia, a Noite e o Desejo

Tudo começou assim:
Era uma vez o Desejo.
Ele habitava o interior da Noite,
Que, calada e adormecida,
Vivia ao acaso das naves espaciais vagando em suas galáxias pálidas.
Entre cometas e estrelas mortas distantes,
A Noite não sabia ser outra coisa senão escura.
Tão escura, mas tão escura, que nem se enxergava mais.
Mas bastou uma fogueira acesa.
E uma fumaça bêbada cintilante,
Para que um tal de Dia despertasse o Desejo que jazia embaixo das cobertas.
E a Noite, naquela noite, explodiu qual noite anoitecida de São João!
O Dia tinha cor de cobre.
E era como uma panela mineira reluzente,
Dependurada entre réstias e colheres de pau.
De repente, ambos se encostaram sobre o balcão,
E entre a Tarde que separava os dois,
Cada um pôde ver um brilho aceso na penumbra do outro.
O Dia tinha lá suas nuvens.
Mas a Noite, repleta de estrelas distantes e solitárias,
Só sabia piscar em um sem número de constelações giratórias.
Então o deus disse: Faça-se a luz! E luz foi feita.
E uma descarga elétrica de milhões de watts foi sentida em todo universo.
Foi exatamente aí, que atordoado pelo choque entre os dois,
O Impossível fez ecoar em toda imensidão caótica do universo
Seus trovões avassaladores em forma de Tempestade.
Choveu durante 40 dias e 40 noites.
O suficiente para até peixe morrer afogado,
E para que as lágrimas da Noite banhassem de Adeus um mundo feito de Arcas tristes.
O fim, esse ainda não se conhece.
Não foi escrito.
Mas ouvi pelas esquinas que a Noite foi vista nadando em direção contrária,
Como que fugindo da Alvorada que sempre vence no fim da Madrugada.
Entretanto, a Oração depositada sobre a cômoda do Dia,
Não permite com que a Noite desabe em Trevas.
E a faz acreditar que o Impossível,
Tal como uma Chuva de verão que lava toda superfície-superficial da história...
É apenas só mais um momento desse Universo fascinante...
Trágico, mas perdidamente fascinante!
O Desejo perdeu definitivamente o sono.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Neologismo

As palavras não suportam as ideias.
E por isso se neologizam.
Um conceito, por mais complexo e definido que seja,
Não consegue exprimir a relação de espaço e tempo que uma ideia alcança.
Há tantos tempos quanto espaços possíveis.
Ou a existência é neologismo
Ou ela se contenta em ser dicionárica.
O amor começa com uma ideia.
Vai se escrevendo de mansinho,
E entre vírgulas e travessões,
Exclama-se em palavras nunca ditas.
E sempre novas. Faceiras.
As palavras mais levadas são as mais elevadas.
Quando o amor se tornou e-ditado,
É porque o que foi ouvido se tornou repetido.
E o olhar já vagueia entre espaços e reticências.
Amar neologicamente é amar sem entender tudo.
Para que a busca seja sempre viva e repleta de surpresas.
É recusar-se a fazer do outro um conceito.
Afinal, todo conceito já deu o que tinha de dar.
Amar neologicamente é alquimia.
Repleta de riscos de explosões com consequências atômicas.
É a opção pelo híbrido em forma de abraço.
E todo abraço já começou híbrido!
O neologismo aposta naquilo que não está no Aurélio.
E, sendo todo torto, serpenteia os verbos em forma de "e ses..."
Para que o amor não se torne um inventário,
É preciso ser inventado mesmicamente, 
Repetideiramente,
Repetidrásticamente,
No eterno ir-além que o Verbo-feito-andança exige.