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quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Leve

Pesado é o coração que se engordou de medo.
Ele já não pulsa, rasteja.
E tateia pelas paredes do ressentimento,
Travestido de hipocrisia com penduricalhos de inveja.
O deus quis ser Leve pra ser levado a todo canto,
Como vento de agosto,
Que empurra a sujeira do ar pra bem longe,
E redime o nariz da gente daquilo que o Nada faz virar dejeto.
A leveza dos seus dedos eu não esqueço.
Pois, gordos, eles não pesam, mas tocam minha vida como flauta,
E dedilham melodias na forma de protesto e saudade.
Peço ao deus que emagreça meu coração,
Que me conduza pelos sabores das coisas bestas,
Pelos sentidos que fogem dos conceitos,
Pelos passeios imbecis das manhãs de domingo,
Feitos de bambus-criança que falam
E paçocas divididas.
Creio na religião dos leves,
Que de tão levados são deslavados!
E já não temem ser peso, ao serem elevados à cruz dos juízos,
Pois sabem que lá no alto,
É o lugar onde o vento beija a miséria humana com a maior intensidade.
Leve-me.
E-leve-me.


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Atraso

Escrevo pra correr contra o tempo.
Acontece que às vezes tenho tanta vergonha...
De ser quase doutor em filosofia
E ainda não saber a origem do movimento.
Gosto mesmo é do provisório...
Esparramado-e-a(r)mado em cabelos em forma de protesto...
E cor de poente-com-febre.
O deus quiser andar sobre o líquido,
Pra não se afogar na densidade da vida-besta.
Poesia boa é aquela que evapora...
Atração é a tração do provisório.
Que decidiu se mover pra fugir do definitivo.
E faz de todo apaixonado um fugitivo.
A hospedaria está aberta e custa quase nada...
Custa o Tremor ridículo do improvável,
E o Absurdo das distâncias.
Escolhi fazer do flácido o território da beleza.
E ainda te procuro naquilo que dorme.
Amor é o Atraso mais lento que existe.
Senhor, escutai a nossa pressa!

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Ferida

No princípio era a ferida.
Ela quis sangrar até parar de doer...
E parou de doer foi por tédio mesmo.
A indiferença mata mais que o ódio,
Porque é muda e dá medo.
E a ferida se fez Verbo para habitar entre os nós.
Possuo a incrível arte de dar nó na vida.
E de enrolá-la como uma rosca ao forno...
Primeiro eu a bato bem,
A fermento,
E espero crescer sob o calor que transpira tempo.
Parto em busca da temperatura ideal de uma relação.
Onde o limite tênue entre o cru e o queimado é fatal.
A ferida é fonte donde se bebe o desejo.
Menina, não tenha medo!
Se minha mão não te alcança,
É nos sonhos que ela te toca.
A ferida vazou os conceitos.
E preferiu ser verbo sem sujeito,
Pois faz protesto a tudo o que pernoita...
É na diferença sutil entre hospedar e habitar,
Que, aos poucos, descubro como manter a ferida aberta.
Permanência é o sobrenome do Amor.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Como Manga Coração-de-Boi

O coração, se pudesse falar, calaria.
Ele bate no descompasso do desprotegimento.
A-corde é som e verbo ao mesmo tempo.
Mas antes de tudo é pulso.
Porque paixão é assim:
Tudo dormia a setenta pulsos por minutos.
Às vez sessenta, cinquenta...
E num salto diastólico...
Acelera a frequência taquicardíaca do ser-tão-tonto.
E o faz ofegar nos afagos mais simples.
Ontem medi minha pressão.
Ela estava normal e isso me preocupa.
O mais bonito da panela fervente,
É que ela apita e solta fumaça quando esquenta.
Se existe alma, ela só sabe mesmo é ser cozida.
E minha poesia me cozinha antes de ser escrita.
Meu coração vive à mostra,
Pegando friagem e tossindo feito motor de fusca.
Escrevo pra não coagular o que percorre a vida.
E o único infarto que temo
É o tédio.
O deus, que não é bobo nem nada,
Quis deixar o coração pra fora...
Grande. Vermelho. Maduro,
Como manga coração-de-boi.
Que a gente come pra deixar a boca melada e amarela.
Afinal, Paixão é privilégio de lambuzados.