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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Sorrir só

Se tem uma coisa que eu gosto,
É ver uma pessoa sorrindo sozinha.
Hoje eu vi.
Ele não tinha motivo,
Ninguém tem.
Mas o rapaz atravessou a rua sem olhar pros lados.
Danem-se as buzinas!
Ali, naqueles passos lentos
E naquela boca semi-aberta,
Ele era um deus sorridente.
Rir é algo humano.
Sorrir é sobre-humano.
É o além-do-homem se afirmando em sua potência.
Rimos quando brincamos, gozamos, chacoteamos.
Sorrimos quando suportamos, leves, a dureza de existir.
Rir é gostoso junto com um monte de gente.
Sorrir é bom sozinho.
Prazer solitário.
Sem ninguém perceber, quietinho.
Na calada da solidão,
Enganar o cotidiano com os dentes.
Rir é coisa do corpo.
Sorrir é coisa da alma.
Eu gosto de parar pra ver os outros sorrirem.
Coisa besta minha.
Resquícios de minha inocência que já se foi.

domingo, 28 de agosto de 2011

Coisas e Palavras

Mergulhado em Foucault.
Estou num quase afogamento no Ser Coisado.
Fascinado pela penetrante diferença,
Que me subtrai de mim.
Em um nome. Só.
Ao mesmo tempo,
Hoje estou sedento de poesia.
De vestir as coisas com roupas delicadas.
Palavras miúdas. Quase tristes.
Estou afagado por Manoel de Barros,
Drummond, Rosa, Clarice.
Eles me santificam em sua prosearia do mundo.
Eles, com uma lanterna,
Chamam-me por uma trilha tortuosa...
A trilha da palavra torneada por versos,
Onde o Ser é cru.
Onde Deus se esconde de nossas pataquadas intelectuais.
Quero tocar meus pés nesse limbo.
E escorregar-me para além da coisa em si.
Filosofia poetante.
O divino em rimas sem versos.
Não se morre por amor.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O banquete e os porcos

Estamos em pleno ensaio.
"O banquete e os porcos".
Um espetáculo para famintos.
O elenco é constituído por alunos da Fajopa.
Previsão de estréia: fins de novembro.
Mais informações, em breve, aqui.
Não percam!

domingo, 21 de agosto de 2011

Digestão

Somos o que comemos.
Isso se estende pra muitas coisas da vida.
Alimentos, Relações, Religião, Filosofias.
Somos o resíduo devoracional da história.
O tempo nos come.
E nos processa em seu intestino lento.
Às vezes roçamos em suas entranhas...
Mas mesmo nossa indigestão mais profunda,
Não passa de cócegas no interior da história.
Estou desacreditado de revoluções,
De mudanças bruscas no mundo,
De tentativas pretensiosas.
O Ser é um estômago!
Tudo é abraçado melancolicamente
Por um suco gástrico repetitivo.
Ninguém quer uma teoria nova,
Muito menos um deus novo,
Ou uma oração transformadora.
Eu falo que quero,
Mas no fundo não quero.
Quero-me.
Busca-se uma justificação pra vida.
Uma receita de bolo pra felicidade.
E cada vez mais acredito,
Que não a encontraremos no novo.
Mas no infinitamente mesmo.
Atordoante mesmo,
Devorado a cada dia,
No feijão-com-arroz calado do existir.
Êta vidinha cada vez mais besta meu Deus!

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Ser e Estar

O verbo "to be" é o primeiro que se aprende quando se estuda inglês.
Significa Ser,
Mas também pode significar Estar.
Supostamente, quem é, está!
Como isso é confuso pra mim!
Vejo muita gente "sendo", mas não "estando".
O aluno, que na aula vaga pelas redes sociais em seu notebook...
Não está na sala.
A paquera, que no barzinho foge dos olhares paquerantes em seu celular...
Não está disponível pra ninguém, e ficará sozinha.
A família, que diante da TV, se esconde do almoço-celebração.
Não está alimentada nunca.
Que mundo não-estável estamos!
Por que será que nos dói tanto Estar onde Somos?
Pascal: O ser humano é infeliz porque não consegue ficar quieto em seu quarto.
Cuidado! O Estar é mais do que o olhar.
A Atenção é mais do que piscar diante de algo, ou alguém.
O amor é uma forma de ser estando.
A paixão não. Ela só é. Não quer estar.
Quem reza, pode ser ou estar,
E isso não depende do deus rezado.
Depende do volume do áudio interno.
Ontem, vi um cachorro estando.
Com as patas pra cima, na porta de um bar na estrada.
Eu assoviei várias vezes,
Mas ele nem deu atenção pra mim.
Ele se bastava.
Tanto fazia se alguém pisasse em seu rabo.
No seu sono canino, ele era o Universo sendo-existindo.
O Todo-roncante em forma de presença.
Ele não tinha obrigação nenhuma de estar onde ele é.
Por isso, ele vai pro céu.
Nós, que não temos rabo,
Mas temos duas patas para baixo,
Somos obrigado a Estar onde Somos.
E a fazer de cada momento um juízo Final.
Afinal, Existir é Ser.
Viver é Estar.
Deus é, estando em cada fragmento do cosmos...
Seja ele cachorro, família, pata, ou boteco.
Am, Is, Are.




domingo, 14 de agosto de 2011

Migalhas de pão

Nem só de banquete o Ser viverá
Mas de toda migalha caída ao chão.
Ela acreditou nisso.
Esgueirou-se entre imaculadamente puros,
Ela, a cananeia vadia,
A pagã, a diferente.
- Jamais Senhor! Ela não come à nossa mesa!
-Ela não é como nós!
- Ela tem unhas compridas e usa batom vermelho!
- Ela tem lábios mordentes!
- E além do mais, ela Ama!
Mas o Homem-banquete,
Cansado de ser refeição de moribundos chatos,
Ouviu a voz que sussurrava em gritos,
Uma canção suave lhe beijava os ouvidos.
A fome do mundo em forma de lábios.
Além dos banquetes de ossos secos,
Havia migalhas suculentas de esperança.
Ela, devorada pelo Todo-Amante,
Colocou a toalha no chão,
Rezou.
E com um olhar de diferença,
Alimentou o deus-das-migalhas com desejo.
E banquetearam juntos,
Até lamber os dedos.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Sobre assaltos e incêndios

Assisto absorto as manifestações violentas do consumo.
Londres, Gangues das Meninas, etc. etc.
Não se rouba para se manter vivo.
Não se incendeia clamando subsitência,
Ou invocando a revolução.
Uma menina furta um relógio para se "parecer" com a atriz da novela.
Um manifestante explode uma vitrine para poder "ter" o celular de última geração.
O limite humano de se esvair na tentação do consumo alcançou o patamar da violência.
Para poder saciar um desejo momentâneo do possuir algo,
Justifica-se roubar, matar, queimar.
Eu me recuso a acreditar que nossa capacidade criativa,
Tanto exaltada por filósofos e cientistas,
Esteja fadada a chafurdar entre quimeras de plástico.
É muito triste reconhecer que vivemos em uma época fútil.
Onde morremos de trabalhar pra simplesmente comprar, comprar.
- Você me alicia com seu tênis de marca!
- Sou seduzido por seu óculos de mil reais!
- Por favor, dê-me algo pra que eu possa ostentar o que não sou!
- Roubo-te para ser adorado pelos meus!
- Tu me ensinaste a consumir, agora aguenta!
Tenho medo desses incêndios e assaltos.
Que nos alertam sobre o pior dos roubos.
Aquele que nos tira a beleza de simplesmente ser.
Tenho medo dessa época esquizóide,
Que submete todos ao jugo do próprio desejo.
Medíocre, sem objeto, sem sujeito.
Fogo morto do existir.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O público e o privado

Vivemos uma época confusa.
Os limites entre o público e o privado se tornaram invisíveis.
Há uma invasão mútua. Agressiva.
Vejo pessoas cansadas por toda parte.
Exaustas por perseguirem um simples momento de publicidade.
Fragmento triste de saber-se existindo!
Vale tudo para se sair da monotonia fastigante da vida.
Trabalha-se para fugir do trabalho.
Estuda-se para um dia não se estudar mais.
Ama-se para não amar.
O comum cansa.
A vida privada parece sem sentido.
A solidão de si aparenta um inferno.
Tédio. Fuga. Vida flácida.
Por que minha existência tem que ser pública?
Por que insisto em ser reconhecido?
Por que diabos ser lido?
Que divindade clama de nós mais do que simplesmente Ser?
Ter prazer em só ser.
Em ser pra si um deus mudo.
Fazer de cada movimento da vidinha,
Uma adoração redentora do Todo.
Ser o Todo.
Publicar apenas as sobras.
Ser o público de si mesmo.
E sobretudo reler-se uma vez mais.
Espetáculo gratuito de mim.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A vós cabe começar

Releio Pascal.
Minha primeira paixão na filosofia.
Alegria ser professor pra poder (e ter que) reler o que apraz.
Eterno retorno do mesmo!
Cito o pensador francês:
"Logo eu abandonaria os prazeres, dizem eles, se tivesse a fé.
E eu, digo-vos: teríeis logo a fé se tivésseis abandonado os prazeres.
Ora, a vós cabe começar.
Se eu pudesse, vos daria a fé" (Pensées, aforismo 815)

De fato, ter fé é começar.
Quem começa, seja lá o que for, já tem fé.
Ter fé não é terminar algo...
Seja um trabalho, um livro a ser lido (ou escrito), uma maratona.
Ter fé é ter a ousadia de começar sempre.
Apesar do grito das desistências insistir em estacionar-nos.
Ter fé é ir além dos limites que os prazeres impõem.
Ter fé é, enfim, ser dentro do não-ser.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O necessário e a novidade

Vivemos a era das necessidades inventadas.
Celulares, notebooks, corpos malhados, prazeres.
O deus-Consumo exige adoradores fiéis e insufla-nos do Ruah do desejo.
Desejamos por desejar e pronto.
Zumbizamos por shoppings e academias na busca de saciar o que nos apresentam.
Seja magro!
Seja bonito!
Tenha uma roupa da marca X!
Esteja antenado às inovações!
Que Chato esse mundo extenuante de novidades!
Saltamos entre uma novidade e outra como macacos em cipós.
Aos poucos, o necessário se tornou obsoleto.
Repugna-nos a ideia de que precisamos atravessar o pântano tenebroso dos deveres.
Trabalho, silêncio, solidão.
Fugimos como o diabo foge da cruz de tudo o que não é novo.
Não, eu não tenho nada de novo para oferecer.
Minha fé não é nova,
Meus discursos muito menos.
Pessoa, em seu desassossego exclama que precisamos aprender a só Ser.
A solidão de só Ser fatiga.
Força os músculos da alma a se contentar com a rotina fria.
O pão-com-manteiga, os bons-dias sem graça, o ônibus cheio.
O idealismo é mendigo diante do necessário.
Todavia, nem só de novidades o homem viverá!
O divino se esconde entre as panelas.
Encontrá-lo no ensurdecedor barulho do cotidiano é o milagre!
A necessidade é uma deusa severa, que pune até a quarta geração àqueles que a renegam.
Carregar a cruz do existir é celebrar uma missa por segundo.
É fazer do estudo e do trabalho uma liturgia das horas e de horas.
É sentir o Espírito nos bate-papos com cerveja e amendoim,
Nos palavrões do futebol entre amigos,
No riso fácil da piada partilhada,
No silêncio de ser só si mesmo, embebido de Todos.
Minha cruz é leve. Não posso reclamar.
Eu a carrego apoiada no simples fato de viver.
E vivendo, só vivendo, salvo o universo no corriqueiro do Ser.
Fazer de cada deserto uma terra prometida.
Novidade eterna da Existência!
O Necessário é o altar da liberdade.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A mão

Nossa probabilidade de não afundar
É exatamente proporcional à altura de sua mão estendida.
As tempestades, inevitáveis, são exercícios.
A mão, quando se levanta clamando socorro,
Simboliza a humildade em forma de estandarte.
Uma mão que aperta a minha,
Outra que afaga o peito,
Outra cheia de dedos coçantes.
As mãos são a ponte da vida.
Não as esconda em bolsos frios.
Elas são ungidas pela existência.