Visitas

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Ele e a Lua

Ela estava cheia.
Ele, cheio de noite, se debruçava na varanda para aguardá-la.
Redonda, vestiu-se de uma mistura de dourado, como em festa de gala.
Ao fundo, a velocidade dos carros apressados eram sinfonia de uma solidão crescente.
Na sua varanda ele era único, era um príncipe em um castelo feito de fumaça.
A Lua veio serena, fugida das estrelas abusadas que insistiam em roubar seu brilho.
Teimosa, quis aparecer antes do horário previsto,
E foi subindo de uma vez ao altar nupcial, apadrinhada pela névoa tímida.
Ele já não tinha alianças, todas haviam desaparecido na alvorada
Que de tanto esquentar, virou dia e calor.
E ele detestava o calor.
Aos poucos, a névoa cedeu espaço e ela pode gritar toda sua paixão.
A Lua tinha trinta e quatro olhos estúpidos e uma explosão em forma de curiosidade.
A cerimônia foi breve e discreta.
O celebrante não se atrasou.
Apartir daí, já não eram dois, mas um único leito.
De longe, ela o observava em sua órbita
E decidiu tirá-lo da minguância.
A noite se tornara um refúgio para as fugas de ambos
E um pacto mudo os tornava cúmplices.
Ele e a Lua tiveram vários filhos,
Batizados cristãmente conforme o costume e a tradição.
Eclipses vieram e foram, atrevidos,
Mas o olhar-luz daquela noite fora tão intenso...
Tão desnecessário...
Que fez da bobeira sua arma.
Afinal tudo começa mesmo no descuido.
Inúteis, continuam apaixonados, repletos de fases crescentes e decrescentes,
Que os educam a esperar o tempo um do outro
Mas insistem,
E, por insistirem, podem dizer que se amam.



segunda-feira, 22 de abril de 2013

A Pérola e a Ostra

As pérolas custam tanto pra se tornarem pérolas,
Que justamente por isso são pérolas.
A ostra silente recolhe o que aos olhos do oceano é lixo
E opera uma metamorfose única.
Diferente da borboleta, ele prefere não voar,
Ela afunda-se. E constrói um palácio no interior de si.
Não voar também pode ser uma forma de se chegar ao alto.
A mesma profundidade que tira o fôlego,
É a que revela os mistérios mais recônditos do mar.
Só que não teme perder todo ar externo
Merece o brilho da pérola perdida.
A ostra acasala de tempo o que o mal quis flutuante.
Não reveles tua pérola a quem não ousa apostar em tua profundidade,
E te toca apenas com o raso da existência.
Uma vez aberta a ostra, resta a concha, leve e fugitiva
Cujo fim é a praia impessoal e repleta de pegadas levadas.
Conserva teus tesouros aos que sabem mergulhar,
O brilho da ostra ofusca os olhos dos que se contentam em enxergar apenas o superficial.
De tão apaixonada pelo Oceano,
A Ostra prefere seu solo escondido sob mil pés de profundidade,
E onde nada se evapora.
Preciosa é a pérola que permanece sem ser vista.
Ela tem o peso de um sopro,
E, ainda assim, sustenta o mar inteiro sobre seus ombros.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Quando

Quando tudo não começar com um beijo,
Quando a pele ao invés de ponte se tornar limite,
Quando os olhos se esconderem sob as pálpebras para fugir de você,
Quando a respiração for pausada e a pulsação lenta,
Quando dormir for uma resposta ao cansaço inútil da vida que se ganha,
Quando a insônia não mais existir,
Quando o abraço for apenas um aperto de mão,
Quando eu não mais sentir sua falta,
Quando o ponto final for mais forte que a vírgula,
Quando os poréns persistirem aos apesares,
Quando se levantar for apenas uma necessidade,
Quando os nomes próprios forem os pronomes,
Quando os diminutivos sumirem
Quando eu estiver enfim atento a tudo o que faço.
Saberei que a paixão acabou.
Que preciso de palavras, multidões de palavras inúteis.
Pra disfarçar de vaidade a vida que já não existe mais.