Visitas

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Juiz de paz

Porque afinal é o corpo que crê.
Os poros são uma forma de reza lenta.
Invisível.
E violenta por não pedir permissão.
O seu cheiro eu sinto a dois metros de distância,
Porque ele me fala coisas incríveis sobre você.
O corpo que crê traveste a profissão de fé em transfusão de fé.
Porque o deus, à carne, quis ser líquido e ter cor ao mesmo tempo.
Por favor, não fale nenhuma palavra a mais,
Pra que a vida dos seus desenhos nunca precisem ter legendas.
A alma precisa desobedecer muito até virar corpo.
Pois leva-se tempo pra aprender a gramática de sua pele.
Minha fé é úmida porque transpira.
E em dias de calor e gente,
Gosta mesmo é de ficar quietinha,
Cozinhando o medo de re(crer)ar-se.
Brinco com as palavras para elas não se estressarem contra mim.
Coloco parênteses em verbos para eles caberem uns dentro dos outros.
Pois é assim que acredito.
Vendo mistério em tudo que (r)existe.
Arranco a roupa do Ser devagarinho,
E o faço ter vergonha das folhas de figueira dos conceitos fúteis.
Minha profissão é ser juiz de paz de palavras em guerra.

A descida da ladeira

Alguém me disse:
"Putz, 37 hein! Começou a descida da ladeira da vida!"
Foi a coisa mais linda que ouvi! Emoticon smile
Lembrei dos meus tempos de carrinho de rolimã, 
Que no interior chamávamos de patinete.
Às vezes, fazê-los demorava uma semana inteira, 
Mil marteladas, algumas nos dedos, 
Dezenas de pregos, parafusos, e serras, serras, bate, corta...
Não era apenas um menino e seu brinquedo, 

Era um artesão e sua Pietá!
A subida, sempre íngreme e sudorenta, 

Com o carrinho nas mãos e as mãos de alguém nas costas.
A escola de alteridade se fazia ali mesmo. 

Entre os empurrões.
Mas chegava a hora da descida!!!
E ela era imensa. Curta. Mas imensa ao mesmo tempo.
O vento na cara boba.
Os gritos do prazer ingênuo.
A satisfação na simplicidade que se movimentava.
E os tombos, sobretudo os tombos...
Pra que cada recomeço fosse um beijo da liberdade,
Que pra mim, naquele instante, 

Significava olhar a ladeira como um parque de diversões!!!
Não, hoje eu não fico mais velho,
Eu invento um jeito novo de não ser o mesmo!
E se é pra descer a ladeira...
Que o riso besta da criança e seus brinquedos nunca se perca...
Pra que o vento na cara nunca seja em vão!
E de-Ser, acima de qualquer coisa, de-Ser.
Sem medo de que os 37 tenha sempre o sabor dos 12!

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

A casa do poeta

Hoje visitei a casa de Neruda.
E descobri que o poeta não mora.
Na-mora.
E foi ali, afogado pelo Pacífico de seus hiatos,
Que decidi me chamar de poeta também.
Eu mudo de casas constantemente
Porque eu escolhi na-morar tudo o que se move no universo.
Decidi construir uma habitação nos seus dentes
Que há um mês doíam e agora riem.
O seu sorriso é diferente porque sua Monalisa não cabe em moldura.
Dança funk nos muros das esquinas,
E tem o espaço que me cabe dentro.
Sou poeta por doença mesmo,
Por ser incurável na arte de ser besta,
E transformar ideias peladas em palavras de gala.
Ou em galinhas de hortelã.
Escrevo pra servir a mesa aos meus amigos,
E pra insistir em ser esquecido
Mas sobretudo pra não deixar nenhuma teoria ao mundo.
Hoje, aos pés de Neruda,
Não confesso outra coisa a não ser que também vivi.
E decidi habitar cabanas de tecido ao invés de verdades de concreto.
É noite.
E as luzes ainda piscam por aqui.



quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Pra te proteger da chuva

O poeta não parte.
Ele reparte.
Chega o tempo em que as ideias viram gente.
E a Palavra cobra com juros o peso do ido.
O Si resolveu se transformar em nota musical apenas.
E cantar numa gaiola nova,
Porque afinal tudo é gaiola nessa vida.
Inclusive a vida, onde se canta pra se esquecer as grades.
Poesia é o canto de quem insiste em aprender a voar depois de velho.
E sempre acredita que recomeço é o sobrenome do Amor.
O deus nunca foi tão vivo e tão real.
Pois ele quis ser assim,
Êxodo e deserto ao mesmo tempo.
E fazer de cada rosto uma terra prometida.
O maior motivo é não ter motivo.
E decidir pelas novidades da curva aí da frente,
Que, perigosa, insiste em atrair e gerar medo ao mesmo tempo.
Amor a gente aprende é pelas curvas,
Pois em mim, a fé quis caminhar ao lado do abismo.
É tão difícil aceitar que não somos mais os mesmos,
Porque ser poeta é ser Outro o tempo todo.
Eu só sei escrever em Heterônimos.
As luzes da cabana não mentem:
Piscando, elas transformaram meu peito minúsculo
Na mais confortável hospedaria
Onde o Amor não dorme nunca,
Escrevo enquanto espero pra te proteger da chuva.