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sábado, 28 de julho de 2012

O milagre dos pães

Eram cinco,
E de cevada, o pão dos pobres.
Afinal, trigo era coisa de rico...
E aquele menino, de riqueza, só possuia a Esperança.
Fome é o estado daquele que espera passivamente
E apenas observa.
Esperança é o estado daquele que se levanta no meio da multidão.
E apenas se lança.
Para mim, milagre só existe quando acontece de pouquinho.
De grão em grão.
Não, O Deus-feito-alimento-e-esperança não fez cair pão do céu.
Ele fez brotar do chão uma atitude de confiança.
E de entrega.
Minha catequese foi feita ao lado de um cesto de pães.
Bem cedo, minha mãe os assava, dourados, e os embalava delicadamente...
Ali eu aprendi a minha primeira liturgia da vida.
Os pães fumegantes embaçavam o plástico suado,
E, carinhosamente, como numa missa,
Minha mãe os depositava em ofertório no cesto de vime.
"- Venda tudo menino, se Deus quiser, você vai voltar sem nenhum".
Eu pedalava minha bicicletinha preta ladeira acima como um mártir.
"- Quanto custa moleque?"
"- O de sal é 100 cruzeiros, o doce, 200".
Eu me sentia redimindo um universo quando o cesto aos poucos esvaziava.
Ao fim da tarde, suado como o plástico quente dos pães,
Chegava em casa exausto mas feliz por ter ajudado um pouquinho nas despesas da casa.
No fundo, eu me alimentava de sentido a cada pão vendido.
Milagre pra mim é isso.
É muito mais do que uma mágica de varinha de condão.
É o silêncio das coisas miúdas da vida,
Que crescem como pães fermentados na simplicidade do trabalho,
Do suor, da necessidade.
A fome da multidão-na-montanha-mundo de hoje não será saciada com palavras ilusórias,
Seja de governantes, gurus ou religiões que ao invés de alimentar,
Fingem uma chuva de pães sem sabor.
Esses, longe de alimentar os corações sem esperança,
Enchem os buchos-bolsos de alguns supostos iluminados.
O divino se esconde das mesas fartas de ilusão.
Ele escapa para as sobras.
Que ainda precisam ser recolhidas.
Viver é a atitude contínua de encher os cestos...
Não com aquilo que se espera cair do céu,
Mas com aquilo que se recolhe...
Deus não faz cair pão das nunvens...
Ele nos ensinar a assá-los nos fornos da partilha.

domingo, 22 de julho de 2012

Cabo de guerra

Diferente é tudo aquilo que de tanto ser igual, cansou.
O maior desafio hoje não consiste em descobrir-se,
Mas alterar-se.
Eu me recuso a descobrir-me.
Eu quero é tornar-me para além do que já sou.
O tempo só nos cobra por aquilo que deixamos de fazer,
E o pior arrependimento é o de não ter feito algo.
Ouse!
Vive-se apenas uma vez na vida!
E o tamanho daquilo que podemos ser
Está intrisecamente relacionado àquilo que pretendemos ser.
Existir é uma forma de engolir o tempo e dividi-lo.
Fagocitose...
Muda, a natureza mãe-de-todas as virtudes,
Nos absorve e nos abraça lentamente, como num sussurro.
Render-se? Jamais!
Pois é puxando o cabo que a guerra faz sentido.
É na tensão que a vida dá gosto!
Esticar-se também é vencer-se!
Os infelizes afrouxam a corda.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Fast-Food

Londres.
Balcão de uma loja de fast-food.
Sinto-me olhado e acusado.
Filas extensas e tensas.
Pessoas espremidas, se acotovelam para pegar um um sanduíche com gosto de isopor e recheado de impessoalidade.
A fome se reduz ao tamanho do combo para ela preparado.
Quando enfim, chegou meu esperado e esfaimado momento,
Fui acossado pelo vendedor inglês, (mas que poderia ser brasileiro, indiano, católico, espírita, canhoto ou destro, afinal, ele não tem nome, muito menos sobre-nome, ele tem crachá).
"Seu pedido senhor?"
"Um minuto, estou escolhendo!" (respondi abobado, olhando para as fotos ilustrativas e totêmicas estampadas no teto e que faziam de mim como um fiel adorando no interior de uma catedral as imagens redentoras)
5 segundos depois:
"Senhor, já escolheu?" (os olhos do vendedor estavam estralados e ele tinha um crachá enorme!)
"Ainda não, tudo me parece tão igual, não sei..."
"Senhor, o sr. está atrasando a fila!"
Num fragmento de segundo, eu vi uma multidão incontável atrás de mim batendo as tamancas.
Um criança redonda e vermelha carregada pelos pais, enfastiada e sem entender o porquê daquele empurra-empurra na direção do caixa,
Um casal com cara de lua-de-mel frustrada, impaciente, que tinha trocado um jantar romântico numa bela capital européia por uma dose cavalar de gordura trans me incitava a apressar-me!
Quando olhei para trás, vi um ônibus escolar descarregando uma procissão de adolescentes espinhentos que avançavam porta adentro na direção de hambúrgueres e refrigerantes tão simpáticos quanto o palhaço-marketing da loja.
De repente, um "Let´s go! Hurry!" (Vamos, rápido!) vindo de dentro da boca do atendente em minha direção soou como um soco!
Cai na lona da realidade e respondi educadamente em inglês que eu tinha escolhido não comer mais ali naquela noite e, oxalá, por toda a vida!
O atendente sentiu o golpe, e respondeu sorridente (coitado, preocupado com o fato de o gerente ter escutado minha ironia) um breve e melancólico "Sorry"! (mas que poderia ser traduzido por: perdoe-me, eu sou apenas um parafuso dessa geringonça toda!).
Virei as costas, altivo, mas absurdamente faminto.
E enquanto caminhava com a barriga roncando pelas ruas de Londres,
Tentava me reabilitar da pancada que havia levado do mundo da velocidade,
Me senti como um hambúrguer espremido no pão,
Acossado pela velocidade famigerada do capital,
Que mesmo em um momento tão sagrado como o da refeição,
Nos tira a pessoalidade que nos faz livres, e sobretudo humanos.
Nós não nascemos para sermos reduzidos a três ou quatro opções de combos,
Vazios de afeto,
Mas repletos de porcaria para o organismo.
Mais venenoso do que a gordura do sanduíche
É a indiferença do sistema que nos obriga a comer aquilo que não queremos,
E a sentir fome por aquilo que não alimenta.
Eu me senti devorado pelo lanche que iria comer.
Então, lembrei-me do meu avô,
Pobre, pouca escolaridade,
Um dia ele nos levou pra passear numa cidadezinha do interior.
Era tarde quando voltávamos e, sem precisar pedir,
Ele sabia da nossa fome e o que gostávamos de comer.
Sorridente e brincalhão,
Ele comprou comida barata e nutritiva num restaurante poeirento de beira de estrada,
E parou alguns kilometros adiante no acostamento,
Sem dizer nada, fez-nos descer à beira de uma cachoeira e uma fonte,
Ali, como um sacerdote, ele abriu os tesouros escondidos sob a marmita,
Arroz, feijão, madioca e costela.
Eu e meu irmão brigávamos, reclamando como crianças,
Porque queríamos comer sanduíche,
Mas meu avô, insistente,
Fez-nos comer tudo, escutando o som da água que corria límpida e gratuita da bica.
Lambuzados e saciados de afeto,
Seguimos adiante, alimentados!
Não, ele não queria economizar.
Ele queria ensinar que muito mais do que encher o bucho,
Comer significa abastecer-se de vida.
Vida feita de tempo, afeto e humanidade,
Onde as pessoas podem ter o tempo todo do mundo para escolherem.
O cardápio da humanidade é muito maior do que quatro ou cinco opções promocionais.
O que nos sacia está dentro de nós.
E não aquilo com o qual nos entupimos,
Seja sanduíche, bens, cargos, poderes...
O amor se revela na mesa.
Que, aliás, foi o lugar onde o Deus-das-bicas-e-marmitas
Quis se tornar alimento.
Sem pressa... Sem pressa...
O céu é feito de ceia!





sábado, 7 de julho de 2012

Francisco

Oração diante do Crucifixo
"Oh, alto e glorioso Deus,
Ilumina as trevas do meu coração,
Dá-me uma fé reta,
Uma esperança certa,
Caridade perfeita
E humildade profunda,
Dá-me, Senhor,
Sensatez e discernimeno para compreender a tua verdadeira e santa vontade"

Não sou piegas, muito menos piedoso,
Infelizmente não consigo arrancar de mim a busca dos porquês,
E pra mim, buscar a verdade é minha oração predileta.
Mas hoje, em Assis, sozinho, diante do crucifixo que falou com Francisco,
Me emocionei diante do Corpo sofredor de Deus.
Essa singela prece me tocou profundo.
A única esperança certa é a caridade.
Não há teoria, filosofia, teologia e o escambau que dê maior retidão à vida do que a caridade.
O amor encontra aquilo que a razão procura.
Francisco foi a contradição em pessoa.
Num tempo em que a Igreja era tentada e cedia às ilusões do poder,
Ele reconstruiu as paredes da existência a partir da simplicidade.
Há um momento em que só despojando as vestes podemos ser livres.
Em pleno séc. XIII, O poverello de Assis vislumbrou um mundo para além do nosso tempo.
Ecumenismo, diálogo inter-religioso, ecologia, relações de gênero, dimensão social...
Ele se deixou vestir por um senso do mundo...
E foi abraçado pela irmã terra no dia do seu encontro com a irmã morte.
O mundo, de fato, tem saudades de ti Francisco,
E hoje, tu me fascinaste novamente.
Não se ensina a amar.
Muito menos se aprende.
O amor se entrega a quem a Ele se entrega.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Pedras, templos e eternidade

Hoje eu vi o tempo devorando tudo o que via pela frente.
O bom de se visitar um lugar onde o passado mostra a face
É aprender que absolutamente tudo passa.
Impérios, Templos, Palácios, Crenças...
Eu vi palácios enormes feito de pedras carcomidas...
Em Paris, Praga, e agora em Roma.
A mordida do tempo a gente não sente,
Por isso não dói,
E faz com que tenhamos uma doce e ilusória sensação de eternidade.
Oxalá nossa passagem por aqui seja menos para erguer paredes...
E mais para derrubá-las!
Eu me recuso a viver assentado sobre pedras pseudo-eternas.
Eu me recuso a ser mais um bloco argamassado entre outros.
Aliás, eu me recuso a qualquer eternidade que negue o fim.
O Deus, para apontar o Eterno, abraçou o fim e o suspendeu num madeiro.
Eu prefiro o "para sempre" feito de carne e sangue,
Com direito a erro e tudo.
Em Roma, me agrada ver as fontes...
Elas não cessam, são intensas e límpidas.
Nelas, a vida-em-forma-de-água flui intensa,
Pela boca de estátuas sorridentes,
Que de tanto jorrar, se eternizaram abastecendo o universo.
O tempo escorrega pelos canais úmidos por onde o rio da vida passa.
Cuidado, não se aproxime deste rio, ele é perigoso.
E afoga os que desejam ser como âncoras!
Só quem sabe flutuar consegue vencer o tempo,
Ainda que os abismos amedontrem,
A segurança da margem não chega ao pés da liberdade do leito.
Eu vi um rio nascendo do lado direito do Templo.
E por onde ele passava, a vida brotava, leve,
Fluída, mas absurdamente livre...
Por atravessar o Ser em forma de correnteza.
A eternidade não é um mérito,
É um mergulho!