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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Direito ou Dever?

Houve um momento na história do Cristianismo
Em que o dever se tornou direito.
O chamado ao discipulado deixou de ser um convite.
E deixou de ser respondido.
O critério passou para o interior do sujeito.
Eu me acho digno de ser discípulo e pronto.
Ninguém me arranca esse direito.
Passagem infeliz da pessoalidade à subjetividade.
Quando o seguimento a uma pessoa se torna uma decisão subjetiva,
E deixa de ser um eco de um apelo exterior,
O poder se instaura.
Ligar e desligar não pertence mais ao divino que me perpassa,
Mas à autoridade que ao meu eu foi confiada.
Triste ilusão!
Essa dicotomia cristalizou no seioda sociedade ocidental
Uma religião que se julga escolhida.
A instituição deixa de ser o espaço comunitário da resposta,
Para ser refúgio das ausências.
Esconderijo perspicaz dos ávidos de sentido.
A fé se torna fonte de direitos e não de dever!
"Porque sou religioso, mereço...
Porque creio, posso...
Porque professo... a mim me pertence..."
Respostas infelizes diante de um mundo onde o sujeito se foi.
Critérios inócuos, envenenados pela mediocridade.
Ninguém merece.
Ninguém pode.
O deus escapa a qualquer pertença.
Ele é ensaboado.
Ser religioso é uma resposta pessoal e não subjetiva.
Pessoa diferente de sujeito.
A vida é muito mais do que um objeto.
O divino está além dos predicados.
E Ele não nos deve nada.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Possibilidade de aproximação

O Cris me faz filosofar.
O reino das amizades é um refúgio.
Ontem ficamos mais de hora skypeando.
O assunto: o ser humano
Descobri que eu sou uma possibilidade
Possibilidade de aproximação.
Aliás, eu e todos.
Somos todos kantianos.
Um coito interrompido.
Escatologia do já e ainda não.
Em tudo o que fazemos,
Apenas verdades próximas.
Amizades próximas,
Amores próximos,
Pesquisas aproximadas.
Tudo é possível no reino da possibilidades.
O duro não é não ser.
O duro é o ainda.
É esperar que a singela possibilidade seja e pronto.
Ser próximo é a certeza da distância.
Ser possível é o decreto de incompletude.
Viver é aproximar-se do impossível.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Panetones

Ontem fui ao mercado.
Fiquei irritado, emputecido.
Em pleno mês de setembro,
Prateleiras abarrotadas de Panetones.
Confesso que tive vontade de chutar.
Dar um bico na inversão absurda dos tempos.
A ansiedade mercadológica empilhada em caixas coloridas.
Infeliz é o homem que não sabe viver no tempo.
Antecipar e postegar é o princípio da solidão.
O capital tem seu próprio calendário.
A moeda tem nome próprio.
Liturgia mercantil da vida.
Celebra-se o bom velhinho no fim do ano (ou em setembro),
Porque no seu saco vermelho está o esperado décimo-terceiro,
As meias nas janelas são enchidas de prestações infindáveis.
O panetone é o reflexo do tempo em que vivemos.
Espiritualidade Ansiolítica.
Quero um tempo de cada vez.
A cada dia basta o seu cuidado.
Calendário bom é o do Sagrado Coração de Jesus,
Que minha vó pendurava na cozinha...
Uma folhinha de cada vez...
Esperávamos com alegria a folhinha com número em vermelho.
Era Feriado e dia Santo.
Dia de macarrão na mesa,
E roupa de missa.
Meu vô com costela de carneiro na boca lambuzada.
Sidra Cereser no isopor com gelo...
Uma procissão de tios vindos de todos os cantos...
E primos, primos, primos.
Tempo de Festa é o dia de hoje,
Santificado pelo cotidiano cru.
Das panelas queimadas,
E dos cartões de ponto estralando nas máquinas de Amém do trabalho.
Inverter o tempo pra servir o Capital é a morte do Ser.
Ao invés de panetones em setembro,
Prefiro o pãozinho francês da esquina...
Afinal, o Deus dos setembros e dezembros,
Se fez pão.
E não panetones.

sábado, 24 de setembro de 2011

A vida sem Objeto: Chico Bento e as Goiabas

Teste de Gramática.
Na frase: "José comeu a goiaba",
Qual é o Objeto?
Resposta de hoje: Comer.
Implosão da língua portuguesa.
Se estivéssemos no século XX,
Com suas bombas nucleares, muros de Berlim,
URSS e EUA, e pegadas de homens na Lua,
A goiaba seria a resposta correta.
Inclusive, pouco importava que ela tivesse bicho.
Os tempos passaram,
As verdades desabaram como muros.
E, embora a goiabeira continue a produzir seus frutos,
O José não é mais o mesmo.
Embora a fome seja.
Vivemos o tempo do Não-Objeto.
O aluno que não sabe completar a frase,
E escrever uma linha sequer,
É refém do mundo que o cerca.
Ele desaprendeu a subir em árvores.
Não importa a goiaba.
Importa o meu "comer".
Nem o sujeito importa mais.
Passamos dias, meses e anos "comendo" sem saber o quê.
Devoramos tudo ao nosso redor via chats e gadgets.
Em um click eu piso na Lua via Google.
Com outro, eu deleto pessoas que, ao meu ver,
São mais abjetos do que objetos.
Facebookeamos a vida.
Relações válidas, eu creio.
Porém sem sabor de Goiaba arrancada do pé.
Quando pequeno eu lia o Chico Bento.
Ele era um deus quando subia na goiabeira do vizinho,
Pra roubar o fruto proibido.
Isso lhe custou várias espingardadas de sal.
O Chico Bento era livre.
Lembro-me da bochecha dele,
Rechonchuda,
Gozando a eternidade em vermelho carne.
A goiaba como hóstia universal.
Ali a vida era objeto,
Dependurada em galhos frágeis.
Olho ao meu redor e vejo pessoas tênues.
Vagando tristes por sites, links e frases monossilábicas.
Vejo relacionamentos indexados por trilhos tristes.
Onde o único vagão é o da provisoriedade.
Vejo goiabas caídas ao chão.
A vida perdeu seus objetos.
Desvencilhou-se de suas raízes.
Somos infelizes porque nos basta saber que podemos comer.
Acessar, Conectar, Googlear, Skypear, Eme-esse-enear,
E deletar.
As goiabas já não nascem em árvores de galhos tortos,
Mas em bancas floridas de hipermercados.
Rezo pra que nesse mundo,
Onde não há mais sujeitos nem objetos,
O "comer" não seja a resposta última da humanidade.
E que as sementes de goiabas passadas
Não sejam esquecidas.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Percorrer-se

Tornar a vida um percurso a ser feito.
Traduzir cada passo em sinal de caminho.
E mesmos os descaminhos.
Nos debatemos com placas o tempo todo.
Venha por mim, Venham por aqui...
Fujam de si!
Ilusão alienante de ser só si.
O caminho se faz a caminho.
Mas percorrer-se enquanto caminho é tarefa.
Olhar para o próprio caminho
E não querer fugir,
É sabedoria.
Na lentidão da ida,
Os temores se afrontam...
Se cruzam.
O deus dos descaminhados está além dos passos.
Mas prefere pisar por eles.
Rezar é desecaminhar-se.
E trilhar percursos próprios.
Estou de saco cheio de vidas encaminhadas.
Ele percorreu todos os caminhos...
E fez trilhas por onde ninguém pisava.

domingo, 18 de setembro de 2011

Livros eternos (Se você não os leu, não leia esse post)

Há livros que me arrependo de ter terminado de ler.
Grande Sertão e suas veredas,
Dom Quixote e seu Sancho,
Pessoa e seu Desassossego.
Explico-me antes das pedras.
Determinados livros não devem nunca ser concluídos.
Deve-se saborear aos poucos.
E não devorá-los.
Terminá-los é uma tristeza sem fim.
É muito triste acordar e saber o fim do Cavaleiro da Triste Figura.
Pior ainda é descobrir quem é Diadorim.
Haja desassossego!
Alguns livros são eternos.
Porque não podem ser concluídos.
Dá vontade de deslê-los,
Só pra poder achar que se deve lê-los novamente.
A vida toda está no sertão de Rosa,
No galopar de Rocinante...
No pano de chão amuado no canto da janela de Pessoa.
Ler um livro eterno é ser um deus com os olhos.
É esperar por uma ilha...
Pra enfim descobrir que a mesma não existe.
Mas, que diferença faz?
A vida de Sancho não está na certeza da ilha.
Está na espera. E na caminhada.
Os intervalos dolorosos de Pessoa são a própria Dor.
É o Universal sobre o Ser com todos os seus limites.
Deus mesmo que venha armado pra esse mundo cheio de palavras.
Pois o Diabo está nos rodamoinhos da preguiça.
Que nos impede de fazer da nossa vida um livro a ser escrito.
Pouco importa ser lido.
Importa por o sertão de dentro pra fora de si.
O que Dulcinéia del Toboso e Diadorim têm em comum?
A espera cavalgante de dois homens.
Eu, que sou mais Sancho que Quixote.
Prefiro as Palavras do Pórtico.
E navego... navego... navego...
E faço-me humanidade com as letras.




quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Alvorada: um samba de Cartola

Ouço Cartola.
"Alvorada, lá no morro que beleza!
Ninguém chora não há tristeza,
Ninguém sente dissabor".
O meu Deus é o Deus do morro.
Minha religião não cabe no templo.
Eu creio no divino que escapa.
No eterno que se esconde de nossas vãs teorias.
Eu abomino as doutrinas.
Que clamam obediência unicamente a si mesmas,
Ao invés de apontarem para o Ser.
O meu Deus dança carnaval.
Ouve Chico Buarque.
Toma banho de chuva.
Anda de carrinho de rolimã.
Joga truco.
E não nega uma dose de Salinas.
A igreja desse Deus possui apenas um único dogma.
" - Serás feliz sob qualquer condição!
E farás felizes os que estiverem ao teu redor!"
Triste época em que a religião se torna sinônimo de desligamento.
Re-ligatio. Des-ligatio.
O divino anda escondido pelos botecos.
Perambula entre feiras, ônibus e estádios de futebol.
Se quiseres encontrá-lo, não o procure entre os sábios.
Não, eles já o engoliram e não regorgitarão.
Antes, revire o teu lixo.
Desdobre tuas curvas,
Teus mistérios e vergonhas.
Deus não cabe numa lata.
Ele bate lata.
Ele desenlata.
Nós, que mais latimos que mordemos,
Seríamos infinitamente mais divinos,
Se subíssemos os nossos morros interiores...
Pra fazer batucada contemplando alvoradas.
"Você também me lembra alvorada,
Quando chega iluminando meus caminhos tão sem vida.
E o que me resta é bem pouco, quase nada,
De que ir assim vagando,
Numa estrada perdida".



quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Presidente Prudente

Hoje tô com uma saudade enorme de Prudente.
Coisa maluca, logo eu cidadão do mundo.
Eu que estou sempre em casa, estando longe.
Só quem é prudentino sabe:
1. Ser feliz na infância por ter escorregado no papelão no Parque do Povo.
2. Ser palmeirense e já ter torcido pro Corintinha.
3. Esperar Setembro só pra ir comer cachorro quente com poeira e cocada na Exposição.
4. Ir ao Fentepp (Adoro!)
5. Comer de tudo um pouco na Festa das Nações!
6. Comer Geléia de Mocotó do Ligeirinho.
7. Ver todas as ruas asfaltadas.
8. Estar a 30 graus e falar que está frio.
9. Saber quem é o Agripino!
10. Nadar na Represa da Cica... (Putz, faz tempo!)

Tenho muitas casas... mas um único lar... Presidente Prudente

Ser Singular

Tarefa difícil essa, Ser Singular.
É o antônimo de Coletivo.
Trata-se de pautar a vida por uma busca incessante.
De não se reduzir ao óbvio, ao comum, ao todo.
Trata-se de ser, em sua mísera e insignificante existência,
O próprio Todo.
Ser um Ser-se-bastando não significa não precisar do Outro.
Muito menos significa romper com tudo e todos.
Implica não conduzir-se por nada mais do que si mesmo.
Autonomia dependente.
Liberdade provisória, dentro dos limites.
O Singular é Único.
O eu não.
O eu é frágil, composto pelo resquício de tudo.
Seria Deus singular?
Estaria ele além dos múltiplos?
A vida é o que se forja entre o múltiplo e o único.
Viver é singularizar-se.
Filosofia...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Mais sobre o Index

Tema delicado.
Aprofundamento.
Hannah Arendt, em "Entre o Passado e o Futuro",
Nos define o que é educação.
É aquilo que possibilita ao homem
Situar-se como um ponto de intersecção entre a tradição e o futuro.
O passado com o conteúdo de gerações provadas,
Confrontado com os desafios novos que se apresentam.
O homem é acossado pelo futuro que o questiona,
E empurrado pelo passado.
Duas forças, equilíbrio nem sempre tranquilo.
Um ser-dizente no meio de duas energias.
Proposta: ter a coragem de ser confrontado.
Exercício fundamental da vida.
Vida in-tensa.
Tensão constante da novidade com o mesmo-antigo.
Não se pode abraçar o novo sem o peso do passado.
Seria suicídio, olhar pras idéias emergentes com ingenuidade.
Porém, pior, muito pior,
É deixar todo o peso do passado guiar o futuro.
É não ter a coragem de se permear pela tensão do novo,
Do radicalmente diferente.
O perigo está na não interpelação.
"Não, eu não concordo com tais idéias, então não leio".
"Tal dança não condiz com meus movimentos, então fico fora da roda".
"Eu não gosto de sua teoria, então, eu o indexo".
"Já que você é diferente, eu te excomungo".
Há uma Auschwitz escondida em cada canto do coração humano.
A verdade é fruto da coragem de viver na tensão
E não da comodidade enganosa das próprias teorias.
O Ser se forma no embate.
Onde o novo e o velho, dançando, insinuam um movimento da alma.
Nos chamam para a música e nos inebriam.
A vida vem da fricção dos corpos.
Diferentes em tudo, mas únicos no desejo de ir além.
Não há esperança em mesas fartas de verdades.
Quando os pratos estão cheios de certezas,
Só resta ao deus os ossos carcomidos por ilusões.
Ser formado é ser confrontado.
É não engolir nenhuma verdade como sopa,
Mas devorar tudo, todo o universo criado.
E digerir de acordo com nosso frágil organismo.
Tempos difíceis os nossos,
Em que é a criança que define o que quer comer.
Em que o aluno define o conteúdo a ser dado.
Em que o formando se auto-coroa formador.
Indexando-nos uns aos outros...
Perdemos a tensão.
E escondemo-nos debaixo de nossas ilusões.
Medo traduzido em condenação.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Index

Lista.
In-dex.
Em dez palavras,
Mandamentos.
A razão possui uma capacidade imensa
De excluir aquilo que não lhe convém.
Inclui no Index.
Sai de mim trem!
Eu, puro, não lhe pertenço.
Indexar algo é proclamar-se!
É um grito do medo diante do novo.
O novo dói.
Para o bebê que sai,
O útero era quente,
Segurança medíocre.
O mundo exterior é um médico que lhe tapeia a bunda,
E espera um choro.
Socorro, eu quero voltar...
Enfiem-me útero a dentro.
Eu te indexo médico do demônio.
O Index é a incapacidade de nascer.
É a saudade do útero.
É medo em forma de acusação.
Uma vida de útero é umbilical.
Amarrados por um fio tênue,
Eu me agarro a qualquer verdade placentária.
Santa Madre Placenta,
Ensina-nos a romper a bolsa,
Ajuda-nos a ser paridos, livres,
E a ter coragem de respirar por si.
O sopro do Espírito não se reduz a um cordão.
Ele também está nas palmadas que doem.
Ser concebido é pra todos.
Nascer é para poucos.
Ser feto pra sempre é, de fato,
A pior indexação.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O choro do bebê

418 km.
De São Paulo à Marília,
Num único acorde.
Na poltrona da frente,
Sinfônico, o bebê chorava.
O universo em forma de berro.
- É fome, dá mamá pra ele!
Diziam os mais "compassivos",
Preocupados muito mais com a fome do próprio sono,
Do que com o estômago da criança.
Sim, a Misericórdia também é uma personagem nossa.
A tia-mãe balançava, sorria, assoviava, cantava bolero...
E nada.
A boca aberta pro mundo engolia a estrada.
O ônibus todo era uma platéia.
De quando em quando, ele dava um suspiro.
A multidão então dava um outro: Ufa!
Doce ilusão!
Em menos de um minuto,
O choro voltava de sua pausa musical.
Quem disse que uma canção não se faz de momentos de silêncio?
Eu, na minha poltrona encolhido,
Já havia tentado tudo:
Fone de ouvido, leitura de Kafka, xadrez contra o notebook,
Meditação...
Tudo inútil.
Enfim, quando a estrada já estava no seu crepúsculo, como o Sol,
Desisti.
Comecei a olhar pro pobre coitado cantante.
E fiz filosofia:
Taí, somos exatamente isso:
"Um ser chorante"
Choro ergo sum!
Passamos a vida como num ônibus, chorando.
E incomodamos um bocado.
O pior choro não é o da criança,
Que quando a estrada finda, acaba.
A pior lágrima é aquela que nunca cai.
O grito que nunca sai da garganta.
É o choro vergonhoso do homem,
Que por medo da mamadeira,
Preferiu chorar pensando.
E Guerrear sorrindo.
Derramamento imbecil de um ser de fraldas.