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sábado, 31 de dezembro de 2011

Fenecer

As plantas são felizes porque não morrem,
Fenecem!
O término é um terminal.
Dele saem várias rotas, para várias direções.
O fim não é o final.
O fim é um pé direito que sobe ao ônibus.
Todo fim é belo.
Na dor de uma vida que acaba,
De uma flor que fenece,
De uma borboleta que sai do casulo,
De um calendário que se completa,
Há um quê de espetáculo.
O fim é uma ópera.´
Os gregos já haviam descoberto isso.
O trágico, que traz em si o fim,
Não pode ser arrancado da nossa história.
Não, não acreditem que o existir humano é filme americano.
Onde a mocinha e o mocinho vivem felizes para sempre.
O existir é filme francês.
Gosto de ver o pôr-do-sol em dias secos.
Ele deita miúdo, quase-frio, rosa, no horizonte.
Há um crepúsculo à sua volta.
Ele sabe acabar e ceder espaço a tantas luas quanto necessário.
Ele se debruça devagar para que todos possam vê-lo morrendo.
Saber des-existir é a grande sabedoria da vida.
Saber des-viver já é a vida em completude.
Amaríamos melhor se pensássemos na morte disse uma vez Nelson Rodrigues.
Eu digo: viveríamos mais felizes se brindássemos a nossa vida como um eterno reveillón.
O tempo que passa e nos explode
Não retorna.
Como ondas, ele leva para o fundo do oceano-eternidade
As oferendas que lhe propomos a cada instante.
O casulo que se vê vazio após a saída da borboleta,
O útero vazio após o parto.
A garrafa de champanhe vazia boiando sobre as ondas.
A espuma do mar faz a garrafa celebrar o líquido que um dia a preenchera.
O voo colorido do inseto parido.
O choro do bebê que abriu asas.
Nascer é o início do término.
A data de nascimento na certidão,
É o prazo de validade estabelecido.
O divino, pra nos ensinar o caminho,
Morreu primeiro.
Na sua morte, a criação se fez.
Ele atraiu a humanidade para um fim.
No esvair-se de um ano onde ditadores caíram,
Economias naufragaram,
E o povo saiu novamente às ruas,
Peço a todos, gentilmente,
Que não tenham medo do fim.
Não, em 2012 o mundo não acabará.
Mas ficarei muito feliz,
Se cada ser-humano-acabante,
Terminá-lo com a certeza de que seu próprio fim
Não se reduz à promessas vazias de eternidades ilusórias,
Mas perpassa as trilhas suaves do finito.
Que apaixona.
E, na sua dança,
Faz valer a pena o fenecer.

domingo, 25 de dezembro de 2011

O Deus mamante

O Verbo se fez choro.
Pelado, pobre, pedinte, estrangeiro,
Assim o deus-mamante veio ao mundo.
Ele não tinha teto,
Mas tinha tetas naquela noite.
Sim, o deus mamou na humanidade.
Ele aprendeu a ser deus conosco.
Ele, que já o era,
Agora é!
A Palavra precisava chorar pra ser Pessoa.
Só as carnes que choram diante de outra carne
Podem ser consideradas gente.
Divino é tudo aquilo que não se contenta em ser apenas Deus.
Divinos são aqueles que descem do Olimpo
E choram em manjedouras.
Onde os animais comem,
Deus se dá como banquete.
Eterno não é aquilo que não tem fim.
Eterno é o terno em plenitude.
É o choro dos que insistem apesar do fim.
O deus mamante é eterno porque fez do colo humano um altar.
O deus mamante não cabe em Igrejas, ritos ou doutrinas,
Não, o deus mamante não cabe em teorias abstratas.
Mas no colo da gente cabe.
Hoje, nesse dia de Natal,
Que ninguém passe sem dar colo ao deus.
E que nas manjedouras-mesas fartas,
Os verbos se calem.
E as pessoas renasçam carne!

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Nóis capota mais num breca: um texto sobre educação

Fim de ano pessimista.
Olho ao meu redor e sinto um ar de desânimo
Entre meus irmãos professores.
Cursos fechando as portas,
Mestres desvalorizados.
Instituições antigas sucumbindo à (i)lógica do capital.
Vivemos em um tempo onde a Educação virou meramente capital de investimento.
"Por que você faz faculdade filho ?"
"Pra ter uma profissão ué!"
"E pra quê ter (uma) profissão ?"
"Pra trabalhar e ganhar dinheiro ué!"
"E pra quê..."
"Para, para, para professor, para
com esses lances de filosofia... !"
Concordo com meu aluno. Infelizmente concordo.
Hoje, estuda-se pra ganhar dinheiro e pronto.
A filosofia atrapalha.
Putz, como eu estou atrapalhando o mundo!
O único fundamento do capital é ele mesmo.
Ele se basta e só.
O capital não tem porquês.
Ele tem para quês.
Ele não tem princípios.
Ele tem só metas, índices, curvas e gráficos mudos.
O capital está educando a filosofia.
Decifra-me ou te devoro!
O educador que viveu sua vida na busca de fundamentos,
Hoje descobre que talvez eles não são mais necessários.
Fundamento. Findamento.
O motor da educação tá vazando óleo.
Eu tinha um fusca possante.
Por onde ele passava deixava uma pocinha de óleo.
Todo mundo dizia que ele fundiria em breve.
Ele não tinha nenhuma pretensão em ser fundamento de nada.
Mas todos viam nele um fundimento em potencial.
Ele era pequeno, lento e barulhento.
E tinha uma buzina engraçada.
Educar, hoje, para mim, é andar de fusca.
Fazer filosofia é dirigir na Castelo à 70 por hora num Herbie.
E ver os velozes e modernos carros importados voando ao seu lado.
E não fazerem poça alguma.
Educar, hoje, é viver próximo a um acostamento.
Já estou dando seta...
Estou sendo ultrapassado.
Triste realidade onde o professor vive na poeira do mercado
E é trocado por EADs, Salas virtuais, Chats e Programas de Reformulação curricular.
Nomes bonitos para imbecilidades que não buzinam.
Perdoem-me a sinceridade trágica,
Mas o fusca está vazando óleo.
De fato, um fusca não é investimento.
Estudar não é e nunca deverá ser um "investimento para o futuro".
Não, não se engane, o capital não quer pessoas educadas.
Ele quer que você simplesmente encha seu tanque.
Para ele continuar esfumaçando o mundo.
Ele quer fazer você ter vergonha de andar de fusca.
Entretanto, apesar do óleo,
Os fuscas são eternos.
Ainda que fundidos, eles buzinarão.
"Nóis capota mais num breca!"

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Advento

Tempo de espera pela vinda.
O Senhor que volta para conduzir tudo a si.
Para mim é tempo de resgatar esperanças.
Época onde tudo se prepara para recomeçar.
O ano que acaba, no fundo começa.
Para quem estuda,
O período letivo que finda,
É o sinal de uma nova matrícula
Um termo adiante.
A luz que pisca na árvore pontiaguda
Apaga pra acender em fragmentos de segundos.
Ontem, na rua, uma mulher me pediu que eu comprasse uma chupeta pra sua filha.
Ela era pobre.
E porque era pobre, piscava.
A criança aguardava, de boca fechada,
A parusia da chupeta.
A esperança também precisa de colo
E mama,
Ainda que em seios parcos.
Eu, que termino mais um ano,
Chupado pelo tempo e pela espera,
Entrei na farmácia, comprei o bico
E pus na boca do bebê.
Ele não tinha dentes.
Mas tinha fome, e muita.
Em segundos, a chupeta foi devorada.
Advento é a espera mamante do cosmos faminto.
É a carência humana exposta em colos frágeis.
É o deus-seio se manifestando em cada boca.
Em cada bico.
Em cada beco.
Esperança é o sonho dos que mamam.
Dos que enxergam para além das misérias escuras desse mundo
Um recomeço constante
Ainda que em formas de chupetas.
Não, o pior não é a fome,
É saber que entre compras, árvores e pisca-piscas,
O ser humano continue esperando a felicidade de bobagens que não prwcisam de colo.
E não mamam.
A parusia é a abundância de sentido.
Jesus mesmo, quando vier
Que venha rodeado de tetas gordas,
Enormes. Balançando sobre os montes.
E toda chupeta será desnecessária.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O privado e ó público - Parte III (final)

Adveio uma nova era.
Tempos de extrapolação do privado.
O que estava sob cortinas e paredes
Agora emerge sob todos os olhares
Gratuitamente, desmesuradamente.
O interesse pelo alheio não tem medidas. Nem preço.
O imenso esforço da modernidade em cobrir com um véu o interior
Agora se desfaz, liquidamente, sob olhos devorantes.
As vidas todas sob os signos dos outros vedores.
Não há espaço privado que não possa (e deva) ser visto pelo outro.
Todos andam me devorando apenas existindo.
Ex-istir = ser perpassado pelo outro.
O público se tornou publicidade.
A confissão de si, marketing.
O meu coração, outdoor colorido.
Como que num piscar de olhos,
Todas as fossas do mundo pipocaram como geiseres.
Jorraram os dejetos entupidores de gerações passadas.
O espaço se tornou a tela pintada de restos explodidos.
O que se fazia na privada,
Agora precisava ser exposto.
Sob a curadoria do virtual,
Os coniformes feco-cogitais do Ser se tornaram uma galeria.
Todos agora pincelam um pouco de suas mazelas por aí.
Facebooks, blogs, twitters, etc, etc, etc,
O inconfessionável encontrou seu espaço de necessidades fisiológicas.
Bananeiras high-techs.
O que o gato enterra não cabe mais na areia.
Tornamo-nos reféns felizes de um saber-alheio que nos incita.
Confesso-me, logo existo.
Vida atravessada.
A palavra íntimo tem dentro dela o timeo grego.
Honra, valor oculto.
Uma honra, pra ser honrada, tem que ser vista.
É próprio da intimidade ser penetrada.
É próprio dos limites inventados pela modernidade para o privado,
O desejo astucioso de se abrir como uma couve-flor.
Nem o Deus-Revelado-Oculto escapou.
O religioso invadiu espaços inabituais,
Mordeu a fruta e a serpente ao mesmo tempo.
Não há mistério que subsista à fome de ver!
Telepatia delirante.
Eu mesmo, no instante em que escrevo essas linhas purgantes,
Exponho meus intestinos pra ser visto.
Comentado, citado, copiado e criticado.
Ninguém mais suporta o silêncio eterno dos espaços infinitos de ser só "si".
O privado vagueia pelos ares, redes, teias, universos.
Tenho medo.
Fazer o quê! Tenho!
Temo pessoas (inclusive eu) que não conseguem erigir uma capela ao seu eu.
Temo verdades que não se escondem.
Temo intimidades que perderam o encanto mágico instigante.
Temo os mistérios que, de tanto obscuros, se revelaram sem pudor,
E vestiram camisas listradas para dançar no Bola-Preta até o Sol raiar.
Guardar um tiquinho de mistério é salvar-se.
Talvez, hoje, calar seja o maior discurso.
E escrever, tentativas vãs de continuar existindo.
Nos julgamentos públicos,
O Deus-Palavra simplesmente calou.
E não abriu a boca.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O público e o privado. Parte II

A modernidade inventou o público.
Mas, no seu descuido, abortou o privado.
As paredes e as cortinas são uma criação do cógito.
Separo ergo sum.
O espaço do escondimento.
O lugar do segredo misterioso de si.
O meu eu se tornou uma propriedade.
O meu silêncio tem preço.
Pague-me e eu lhe mostro.
Desde então, existir-se se transformou em assunto de feira livre.
Livre comércio do Ser.
As privadas foram enclausuradas sob tímidas portinhas.
E trincos e perfumes e descargas,
Fecharam, maquiaram e expulsaram nossos dejetos,
Pra bem longe dos olhares alheios.
O defecar se tornou uma constituição do indivíduo.
Indivisível.
Sentado em seu trono, cada ser cagante se tornou rei.
Ele tinha um espaço sagrado, dele, unicamente dele.
E mais...
As igrejas construiram capelas em separado para o Deus-Hóstia.
Os padres cobriram-se de preto e pano para esconder-se.
E as enormes catedrais cederam espaço a lugares claros,
Onde a escuridão se escondeu no mistério tenebroso de si.
Rezar em público: ofensa ao Estado Laico!
Beijar em público: ofensa à moral.
Fazer cocô em latrinas públicas: cúmulo da imundície.
O privado da consciência é uma questão de higiene.
No íntimo de mim, eu sou limpo.
O meu universo interior me bastava.
Eu continha em minha sacristia o universo.
Lançando meus resíduos, eu era único e Universal.
O segredo se tornou vergonha.
E Deus se tornara um passarinho em uma gaiola...
Cantaria quando eu quisesse.
(continua...)

domingo, 4 de dezembro de 2011

O público e o privado - Parte I

Vivemos a explosão de privado.
Tudo bem, ele também foi inventado.
O espaço privado é uma criação da falida modernidade.
Até o séc. XVIII, o mundo era público:
Dormitórios, mictórios, mesas de jantar,
Igrejas, tronos e privadas.
O rei, o papa e as bundas eram seres partilhados.
Lembro-me de uma visita a uma construção medieval.
Nas casas de pedras, defecava-se coletivamente.
Um ao lado do outro. Impávidos.
O rei era o corpo do Estado.
O papa era o Uno desdobrado em mitras e báculos.
Mas veio o ser pensantes.
Cogitare =Essere.
O pensamento exigiu um quarto só pra si.
Um dormitório solitário do Ser.
Criou-se a ciência, a razão e o monólogo fundante.
As privadas se tornaram privadas
Agora, cada um poderia cagar sozinho,
E ler jornais, gibis ou revistas velhas,
Sem precisar olhar proa lados.
O privado se fez carne e habitou entre nós.
E o público virou teoria de professor idealista.
E paredes, cortinas e divisórias
Cercaram o Ser em suas mazelas.
O quarto da criança, o closet, a sacristia.
Fronteiras tristes do latifúndio humano.
(continua...)

sábado, 3 de dezembro de 2011

As três velhas

Domingo passado assisti pela segunda vez
A peça AS TRÊS VELHAS
De Alejandro Jodorowski.
Recomendo.
E recomendo que assistam mais de uma vez.
A decrepitude da existência está toda ali.
O ser humano enquanto fome, desejo de parir e mentira.
Essa tríade nos sustenta.
Devoramos tudo ao nosso redor para sustentar-nos no salto.
Há uma boca enorme, dentada, saltando nossas faces.
"Quando voltamos à origem, morrer é um batismo".
Creio que o maior sacramento que podemos receber,
É reconhecer nossas origens. E morrer.
Quanto mais envelhecemos,
Mais retornamos ao oco faminto de nós.
Não, ficar velho não é ruim.
Ficar velho é redimir-se com o tempo,
É pedir perdão à vida por nossa total imprestabilidade.
E reconhecer: Tempo, você é maior do que eu!
Toda mentira é uma arma contra o tempo que nos come.
Nos devora e estupra.
Nessa guerra travada, somos reféns incólumes.
Somos o estofo das ilusões mal-engendradas,
Em nossa carne, gravidezes extra-uterinas.
Sim, o corpo é uma refeição a ser comida lenta.
A vida é um prato que se come quente.
"Ai dos caminhos abertos por onde nada passa".