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sexta-feira, 9 de novembro de 2018

VÁRZEA

Pra que defender o indefensável?
A carne não é sujeito.
É verbo o tempo todo.
Um pedaço de carne é tecido.
Daí que corpo é vestido desde o ventre.
Corpo-roupa, corpo-pano, corpo-voal.
Transparente e translúcido.
Que é antônimo de opaco.
Que por sua vez rima com fraco.
Forçando, até com frasco.
Já instituição rima com internação
Inalação, e injeção.
Talvez seja pra furar
E fazer vazar,
O que de tão permeável,
Às vezes alaga.
Corpos úmidos não se esgotam nunca.

Até que alcancem a cidade inteira


Disfarça e segue
Pois o contrário da fé não é a dúvida,
É o ontem.
Eu e você choramos,
Eu sei.
Eu via seu soluço
E a brasa de seu cigarro acesa.
Como uma dinamite,
Prestes a explodir o universo inteiro.
Da minha raiva eu faço tosse,
E finjo engasgos engavetados.
Engula o sapo, a mosca, o brejo inteiro.
No pântano desse dia cozido.
Só sobrevive quem se encharca.
E aprendeu ser cru, quente e caroço.
O que importa é não soltar as mãos
Até que virem braços,
E alcancem a cidade inteira.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Malucos

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Uma pausa e recomeçaremos.
Não consegue ser reticências o que nasceu entre vírgulas.
O seu astigmatismo em mim é estigmatismo.
Minha profundidade não pode ser vista,
Mas perfurada.
Aquilo que me escapa é o que mais me alcança.
A Menina é inteira espelho e firula.
Pois nela, todo o vermelho do mundo cabe.
Fotografei diversos tons de cores.
Ontem e Hoje.
E em todos o seu vermelho estava.
Mais que o verde.
Por mais longa que seja nossa vida,
Ela sempre será breve.
Temos pouco tempo pra fazermos durar uma eternidade inteira.
Malucos se entendem rindo.






domingo, 22 de outubro de 2017

Minha novena

Faço prece com a pressa.
Nas paredes de meus intestinos doentes
Inflamou-se a multidão dos amores idos.
Meu corpo é pichado por dentro,
Pra eu não desistir de grafitar Seus muros,
Com urros, escuros e sussurros.
Eu não receio convalescer de Palavras,
Que são o sintoma da poesia,
E a vacina contra a anemia do tédio.
Eu escrevo entre cólicas,
Pra desvairar as formas.
E enganar o vazio.
Atrevido é Seu beijo que toca o céu com a língua.
O da boca, não.
O do medo, sim.
Os melhores beijos que recebi, me lamberam o medo.
Lá, onde as estrelas têm pressa de apagar,
E ensinam suas cinco pontas a se ferir.
O vazio do astro é imaculado porque brilha.
Ai de quem tentar tocá-lo com os dedos ao invés dos olhos,
Receberá sua vingança em forma de verruga,
Grossa e irremovível.
Meus vazios são minhas novenas.
A dor não dói. O que dói é a busca.
O contrário da fé não é a dúvida.
É a certeza.

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Tele-páthicos

Decidiram pelo fim.
E o fim se fez verbo pra habitar entre os "nós".
Amarrados e sem rumo, pisaram cada um pro seu lado.
Ela cruzou o oceano a nado,
Metade cachorrinho,
Metade borboleta.
Ele perseguia borboletas em florestas de cimento.
Na primavera, as lagartas se alargam de tão largadas.
E foi assim, no encontro de versos guardados,
Que a inspiração de um tocou a saudade do outro.
Pois, o que a poesia une, ninguém separa.
Morre-se de verbos quem escolheu fugir de adjetivos.
Meu amor é perfurado de senões e talvezes,
Afinal, o explícito é ofensa. É estupro.
Nas nossas mudezes nos encontramos verborrágicos.
Não precisamos de tele-fonemas.
Somos tele-páthicos.

sábado, 23 de setembro de 2017

Entre o sal e a lágrima

O oceano, da vaidade do seu infinito,
Aprende a ser grande pelas enseadas...
Pra ficar do tamanho de suas espumas.
É na minúscula rotina que a poesia quebra suas ondas.
Nas horas de descuido, onde o artista vira surpresa, vira bramido.
Não tema as marés baixas do poeta.
Pois é quando ele encalha seus navios
Que seu amor feito solidão e areia vira sal.
Pra aprender de novo o gosto de uma lágrima.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Pra quem deseja ser poesia

Escreva sempre à sangue quente. 
Primeiro seduza as ideias. 
Fuja delas. 
Despeje palavras no papel. 
Não as releia. 
Esnobe-as. 
E com soberba, talhe-as. 
Com raiva. 
Com tesão e pavor. 
Depois aspire-as. 
Cheire-as como se tivesse cheirando seu amor, 
do cabelo aos pés. 
Excite as palavras. 
Ofereça-lhes vinho. 
E mostre suas letras, uma a uma, 
pois, na poesia, tal como na paixão, 
os detalhes é que contam. 
Faça com que elas arrepiem antes de ter significado. 
E só depois, quando, exaustas, 
as palavras de sua poesia tiverem se desnudado por inteiro, 
tatue-as na parede de seu corpo-alma. 
De lá, elas não sairão jamais. 
E se exibirão, por vingança, como inalcançáveis. 
Escrever é perdoar-se.

O resto da mesa

Na janela do restaurante havia gente pedindo o resto.
A fome de fora não tinha nome.
Nem estatística.
Mas tinha rosto.
A janela tinha uma boca. Pequena. Passava um prato por vez.
Mas lá fora, os sem vez eram muitos.
E esperavam. Esperavam. Esperavam.
Ali, suas bocas eram de gente mesmo.
E boca de gente fala. Boca de gente come.
No evangelho de hoje o deus estava à mesa.
Ele era boca, fome e migalha e tudo.
E de tanto ser gente, sabia da boca de quem esperava.
A mulher cananeia não tinha janela.
Mas tinha o deus ali mesmo, como banquete.
Enquanto houver uma fome do lado de fora gritando,
O deus aqui de dentro não consegue existir.
Enquanto houver um rosto com boca e fala,
O deus continuará gritando, ainda que o mundo mudo não mude.
O resto da gente de dentro não falava com  o resto da gente de fora.
Evangelho a gente crê mesmo é de fome é de teimosia.




quarta-feira, 26 de julho de 2017

Como criança atrás de pipa

A minha alma anda com saudade de mim.
Talvez seja porque eu não a acredito.
Mas eu a engano.
E isso é pecado mortal mais que venial.
Minha alma já foi pelada, penada, pesada...
Agora decidiu ser emperrada e só.
Não existe salvação enquanto existir o eu.
Pois misturar-se e desaparecer é a mais bela hipótese possível.
Escrevo pra fingir que ainda estou aqui.
E pra ser um punhado de memória alheia.
Gosto de ler coisas escritas a sangue quente.
Com raiva, com olhos miúdos e dentes semicerrados.
Eu sinto e minto ao mesmo tempo.
Primeiro eu escrevo meus sentimentos,
Depois corro atrás deles, como criança atrás de pipa.
Meu maior medo continua sendo o tédio.
E sim, você é inteira poesia.


quinta-feira, 6 de julho de 2017

Ode às aves de rapina que me devoram as vísceras

Que sobra do poeta sem suas vísceras?
Sua vida é um Promete(u)r-se constante...
Devorado pelas aves de rapina que ele mesmo cria em sua edícula.
O poeta examina o fígado pra ver se resta embriaguez,
Porque vomita o mundo quando este,
Ao invés de Prometeu lhe Promete.
O poeta é todo partida de tão partido.
Ele precisa ser devorado toda manhã,
Mas só chora mesmo é na solidão da noite.
Que lhe macera e encanta ao mesmo tempo.
O Poeta persegue a Menina que lhe foge.
E descobre a cada dia que só faz som porque é oco.
A expressão "oco por dentro" é uma redundância.
Pois só ao poeta cabe "ser oco por fora".
Ele escuta o eco-oco-louco das sensações do mundo,
Com o ouvido encostado em suas paredes.
E as palavras penetrando mudas pela fechadura das portas.
Sou doutor em obscenidades absurdas.
A tristeza do poeta é que ele só habita as paredes do mundo.
E nunca o adentra, a não ser pra espiar.
O amor não acaba nunca no coração do poeta.
Ele vira reticências.
E sua maior dor é saber que lá no fim da frase,
Seus beijos nunca serão mais que vírgulas.
Tudo é crueldade no território calado das poesias de fim.


terça-feira, 14 de março de 2017

Café coado

Pois o deus quis ter cheiro de gente

E fez toda lágrima salgada
Pra lembrar que o tempo tempera todas as coisas.
É no coador de pano que preparo os cafés que ainda te esperam.
Como teus dedos gordos, vacilantes
Que de tão quentes, vazam um líquido preto. Absurdo.
Perambulo pelo caos da matéria úmida
Embebecida de quente e sal e só.
Mergulhar no mistério do humano,
Adentrar suas multidões de galáxias feitas sinapses cerebrais.
E ver em cada explosão cósmica-encefálica,
Um relâmpago do Amor que quis ser gente-junto.
Descobrir que o verbo amar não tem objeto,
E que de tão intransitivo, virou trans-in-gente.
O coração transbordou foi na porteira mesmo.
Onde a lua, quietinha, soube fingir de bêbada,
Pra nunca mais revelar o que se tornou impossível de tão longe.
A vida, tal como café coado no pano,
Aprendeu a atravessar o pó na quentura.
E a queimar as línguas atrevidas.
Antes de virar fumaça,
Ainda dá tempo de ser aroma.

quinta-feira, 2 de março de 2017

Nariz entupido

Ser pó. 
Ser matéria aberta. 
Ser hipótese universal de todas as histórias possíveis. 
Pra descobrir que Amor é Gente e Jeito.
Aliás, abor se aprende quando o nariz entobe.
Como se o verbo amar se tornasse substantivo e parasse com essa mania de exigir objeto direto.
Indireto é o caminho da Alteridade.
Escrevo de teimoso, por pirraça.
Pois fazer poesia é brigar com as ideias.
O corpo, que de ideia não tem nada, só sabe mesmo é ser vingança.
Tenho medo de alma pelada.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Pra estancar a hemorragia

Escrevo com seringas cegas.
Quando coleto o sangue que ainda r-e(x)siste,
Minhas veias se escondem, fugitivas.
Sou especialista em enganar agulhas.
Pois em mim, perfurar-se rima com perfurmar-se.
Aguardo a performance de meus acasos.
Hoje escrevo como quem quer estancar a hemorragia.
Pois o silêncio de meus versos é doença, é infecção.
Faz tempo que as palavras coagularam aqui dentro.
E transformaram todo vermelho em só sangue mesmo.
A matéria da poesia é a saudade.
E nem ela anda ferida por essas bandas.
Futuco para tirar a casquinha de ideias cicatrizadas.
Pois foi tão de repente que todo mundo se transformou em ideia.
Cuidado!
Há tanta ideia solta pelas ruas, sem coleiras,
Que ando pondo minha poesia pra dormir cedo.
Ela precisa mesmo é de pança,
Ao invés de orações coordenadas assintéticas,
Que de tão simétricas, se tocam nos extremos.
Escrevo como massagem torácica naquilo que ainda chamo alma.
Pois é só na poesia que posso manter minhas contradições em paz.
Só encontram minhas veias após sete ou oito picadas.
Minha dor é minha melhor exegese.

sábado, 14 de maio de 2016

Poesia à cabidela

Eu evito escrever com a barriga cheia,
Porque sinto meu estômago devorando as palavras com pressa.
Gosto mesmo é de escrever com fome,
Pra escrever rápido e com raiva.
O que você tem de melhor é o sorriso, Menina.
Que te faz parecer sempre desprevenida.
Amor é tudo aquilo que ao invés de encher seu copo,
Te oferece canecas coloridas,
Para que apenas sua liberdade decida o que cabe dentro.
Minha carne transborda porque minha alma secou.
E a carne, que não é boba nem nada,
Pulou pra fora pra não morrer de sede.
Os filmes argentinos são irônicos e eu os amo.
E, pro meu gosto, só perdem pros pernambucanos,
Que derretem Almodóvar em suas cores, de tão quentes.
Não são as grandes lutas políticas que me salvam do tédio,
São as minúsculas, feitas de uma multidão de nadas.
Escrever é recolher o que sobra,
Picar pequenininho,
E cozinhar ao próprio sangue temperado de saudade.
Minha poesia será sempre à cabidela.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Um punhado de memória

Escrevo para me recusar.
A diferença entre uniformidade e unidade
É a ponte necessária entre o absurdo e a liberdade.
Tristes tempos em que no meu país as pessoas viraram conceitos.
Enroladas em bandeiras que tremulam sem vento.
A poesia prevalece porque não vira sujeito.
E por isso a arte em mim insiste apesar do tédio.
A revolução não será televisionada nem ao vivo.
Revolução a gente faz é com um punhado de memória.
Ouvi no ônibus, copio e colo:
"O meu grito de protesto eu dei
Quando não te encontrei subindo a Brigadeiro naquele junho.
Eu te beijaria ali.
E nos calaríamos pra tudo à nossa volta.
Naquele dia eu tinha deixado o medo em casa".
Tenho medo das pessoas que trocam beijos por ofensas.
E se esquecem que lábios têm sabor de pólvora quando mordidos.
O calor de teus dedos curtos são da temperatura desse Abril ardido.
E eu ainda os sinto, mesmo que distante.
Ser-se acreditando na carne-feita-verbo!
O banco de trás do carro
Continua não cabendo nosso silêncio-limite-e-desejo.
Enquanto lá fora as teorias se embebedam,
Eu me recuso a ser uma equação invariável de propostas.
As fronteiras do meu país são líquidas.