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sexta-feira, 29 de junho de 2012

O cheiro da Solidão

Experimento a solidão em forma de fresta.
Hoje, sou estrangeiro de mim,
Ainda que minha pátria seja um "eu"
Perdido entre uma multidão de contradições
Sem nexo, vontade ou esperança.
Eu sou seu refém, e juro à sua bandeira.
O de-sencontro é o fundamento do Ser.
A diferença humana me fascina.
E nas cores múltiplas que constroem o mundo,
Desconstruo minhas verdades e as lanço pela janela.
Eu sou feito de gente.
Sou uma forma de fronteira, de alfândega.
Onde um universo todo passa e não permanece.
Para mim, existir é uma tentativa maluca de escapar-se!
E fugir para um "não-eu" feito de letras sobrepostas.
Sim, isso pra mim é ser livre!
"Oiseau, tu crois que c'est libre? Tu te trompes!
C'est la fleur!"
Em mim, o divino quis se fazer perambulante.
Mas percebo-me ainda plantado, não colhido,
E atarracado numa terra onde um "eu" fértil se apresenta!
O deus às vezes passa perto!
De noite,
Estende a mão,
Cobre o rosto.
Me deseja e eu o sinto
Nos perfumes exalados pela vida.
Deus em mim se faz desejo.
E quando ele se ausenta,
Eu me sinto triste e emudecido.
Viver às vezes é uma toada lenta...
Solidão não dói.
Cheira.

domingo, 24 de junho de 2012

O amor de Teresa

Estou na França.
Hoje visitei Lisieux.
Casa de Teresa.
Uma santa que marcou muito minha história e vocação.
Ao mesmo tempo, leio Alan Badiou,
Porque, para mim, a filosofia é uma forma de oração.
Teresa disse: É só o amor que conta!
Única vocação. Resumo e condição de possibilidade do Ser.
Sim, o amor é minha única metafísica possível.
Com Teresa, aprendo que o céu começa cedo.
Que o amor se esconde nas pequenas coisas.
E que a eternidade não precisa de além.
Um corpo que ama precisa de tempo.
Pra aprender que não há corpo que resista àquilo que o transborda.
Teresa fez de seu corpo uma pétala.
Pra que o perfume seja o Espírito transcendente.
Sim, para amarmos só temos o hoje!
Morrer, só se for de amar.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Fósseis

Eles são gigantescos.
E assustam pela extensão da cauda.
Os fósseis não têm mais carne.
Ela já foi devorada pelo tempo impiedoso.
Restou uma infinitude de ossos e memória
Calcificados em uma constelação suspensa por cabos e arames.
Arquitetura inútil de uma vida feita de resquícios.
Os fósseis já possuiram um vento enorme dentro de si.
Quem se deparava com um dinossauro saia correndo.
Ele tinha uma pisada forte.
Um rugido tenebroso
E impunha respeito numa terra onde apenas ele era soberano.
Eles ainda não tinham a capacidade de prever asteróides.
Tudo na vida pode se transformar num fóssil.
Ideais, amizades, namoros, casamentos e instituições.
Quando o tempo passado quer ser mais forte do que a pegada do presente,
A vida se dissolve em um oco sem tamanho e sem sopro.
E a carne, antes falante, pisante e respirante,
Agora se dilui em ossos frágeis e silentes.
Fossilizado é tudo aquilo que se esvaiu nas próprias certezas.
Ser museu é o destino dos inabaláveis!
O que criamos com tempo, o tempo respeita,
Mas exige algo novo, sempre!
Se o impacto do asteróide-fim é inevitável,
Que aprendamos a fazer da vida
Algo muito mais belo do que ossos carcomidos expostos.
O destino último do fóssil é virar petróleo
E depois fumaça, pálida e intoxicante.
Talvez assim, quem sabe, daqui a milhões de anos,
Quando o tempo encobrir com um manto o universo dos homens absolutos,
Tenhamos a humildade de reconhecer que de absoluto mesmo só existe o vir-a-ser,
E nos rendamos suplicantes diante da absurda transitoriedade da vida!
O amor se fez carne.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

Cozinhar

Adoro cozinhar.
Gostaria de ter mais tempo para isso,
Mas, infelizmente, trago esse pecado em meu peito.
Preciso confessá-lo urgentemente!
Para mim, o ato sublime de preparar um alimento
É um ritual sagrado.
Cozinhar é uma forma de missa.
E o fogão tem um quê de altar!
Tudo chega ali tão cru e tão puro,
Que parecem oferendas a serem consagradas.
O descascar, o lavar, o picar, o ralar
Trazem em si uma liturgia abençoada pelo Tempo.
Cozinhar é parar o Tempo para cuidar do sustento de si.
É alimentar-se das minúncias da existência escondidas no arroz-e-feijão.
Teresa de Ávila tinha razão:
"Também entre as panelas anda o Senhor!".
A pressa é a maior inimiga de uma boa refeição.
O chef deve ser como um sacerdote eficaz
Que aquece devagarinho o Ser em sua morosidade.
Uma vida que se cozinha a fogo-baixo é mais saborosa.
Em um mundo devorado por fast-foods e drive-thrus,
O fogão é uma forma de terapia.
Minha mãe cozinha que é uma beleza!
Ela não tem pressa, e só por isso, já ganhou a vida.
Quando criança, eu adorava ver a água do arroz fervendo
Eu tomava o caldinho, que diziam ser bom pra dor de barriga.
Se era verdade ou não, pouco importava.
Importava mesmo era saber que algo ali estava sendo preparado.
Um Ser era cozido ao som de rádio AM e colher de pau.
Sugiro que assistam um filme que gosto muito
E que retrata a beleza do preparo da existência:
A FESTA DE BABETTE!
Ali, cada cenoura, cada galinha, cada pedaço de pão
É um instrumento cósmico redentor
Que traz em si uma vitória da vida à ilusão da saciedade.
O banquete acontece na cozinha,
Na beira do fogão e da pia
Antes mesmo da sala de jantar!
Cozinhando, já comemos o Ser com casca e tudo.
E alimentamos um Universo com gestos delicados.
O deus-alimento foi antes cozinheiro.
Ele preparou-se em forma de banquete.
A Santa Ceia se deu numa cozinha.
O Ser, antes de ser comida, foi cozido lentamente.
E que a vida se descubra para além dos Pratos Feitos!

terça-feira, 12 de junho de 2012

Na-Morada

O amor é a morada do ser humano.
Amando, temos casa.
No outro, um espaço, um leito, uma hospedaria.
Estamos à procura de um lugar.
Exilados que somos (graças a Deus!) da felicidade-Éden-completude,
Vivemos peregrinando,
Procurando um canto onde repousar o esqueleto.
Descansar a cabeça é a meta dessa vida do lado de cá do paraíso.
Sim, o Amor é o lugar da incompletude!
É um exilar-se constante e tenebroso.
Mas absurdamente apaixonante!
É a resposta humana ao divino:
Se ao desobedecermos, perdemos o Jardim,
E fugimos, como a serpente, rastejando,
Ao obedecermos à voz do Amor,
Trazemos o paraíso pra dentro de nós,
Com árvore, fruto, caroço e tudo!
O Amor tem um quê de permanência!
Nunca faça do outro um lugar de passagem!
Ele não é um hotel para ser pernoitado.
Amar é fazer o amado ser hóspede de si mesmo
Por muito mais do que uma noite mal dormida.
Engraçado esse negócio de amor:
Ele nos oferece ao mesmo tempo:
Casa e solidão.
Sonhos e noites mal dormidas,
Risos bobos e lágrimas impetuosas.
O amor é o grande barato da vida.
É a morada destelhada,
Aconchegante, cálida,
Ainda que exposta a raios e trovoadas.
Só quem abre mão dos telhados das falsas certezas,
Pode ter a alegria de contar estrelas ao lado de quem ama.
Se você deseja segurança, verdades absolutas e perfeição em forma de gente,
Não percorra nunca a trilha do amor.
Não espere do outro um Éden florido.
Os príncipes também têm seus dias de sapo!
E as princesas, de bruxas!
O Deus-E-Namorado não nos prometeu tetos,
Nem jardim floridos,
Pelo contrário,
Ele nos ofereceu desertos a serem cruzados,
Mares a serem abertos,
Montanhas a serem escaladas,
E cruzes, sobretudo cruzes.
Nesse dia dos na-morados,
Lembre-se que seu Adão ou sua Eva,
É alguém em exílio, como você!
Não o culpe pela fruta mordida e incompleta,
Mas saboreie cada gesto como único, tão único,
Que de tão único que é, se tornou para sempre!
E lembre-se:
Amar demora!


segunda-feira, 4 de junho de 2012

Bucho Cheio

O amor é o banquete da solidão
Ele instaura no humano uma ceia farta, robusta, mas que não sacia.
Os saciados não amam, digerem!
O Deus, de tanto amar, se fez outros.
Triângulo amoroso perfeito.
Somos a insaciedade divina em forma de grito.
Será que existe solidão em Deus?
Digo solidão e não solitário.
Solidão é povoada. É santa.
Ela revela um quê de falta e necessidade.
E a necessidade também é alimento.
Essa semana eu descobri que os japoneses vivem mais
Porque se levantam da mesa quado estão 80% satisfeitos.
No não-saciar-se está a verdadeira refeição.
A morte adora buchos cheios.
Há uma lógica perversa nos que se alimentam do poder.
E vivem se comendo uns aos outros.
Eles querem devorar 5.876.587% do Todo.
Eles ainda acreditam na saciedade do Ter.
A corrupção é a Contra-Trindade.
É o distintivo de um bucho que quer estar sempre abarrotado de si.
Triste tempo em que Cachoeira não é sinal de transbordamento, de beleza,
Mas ícone de um país em que alguns buchos se enchem para esvaziar milhões.
Na mesa de Brasília, Deus não se assenta.
Tomaram o lugar dele.
Afinal um divino que ao invés de devorar vira comida não serve.
O verbo "dar" é proibido para os solitários buchos cheios.
Sim, o contrário do amor não é o ódio,
É a saciedade.
O egoísmo tem forma roliça.
Há um enfarto de miocárdio sendo tramado por aí.
Há veias entupidas que inibiram a circulação do Ser.
Nunca o ser humano se encontra tão só como quando se entope.
Um amor entupido mata.
A Trindade é pura circulação.
É movimento incessante de busca,
Onde a falta se faz criação
E o vazio, uma solidão plena,
Apetitosamente plena!
O amor reside no insaciável da existência!