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quinta-feira, 31 de maio de 2012

João e Maria

Eles caminhavam floresta adentro.
Eoo para não se perderem
Jogavam sementes pelo caminho.
Era necessário traçar uma rota.
Voltar mnão era preciso.
Trilhar sim.
As sementes marcaram a ida e não o retorno que nunca existiu.
Viver é adentrar uma floresta escura.
Onde, por mais que marquemos os passos,
Não há volta possível.
O tempo é o pássaro que devora tudo o que lançamos.
Nossas trilhas são únicas.
E ninguém consegue se embrenhar pelas mesmas pegadas.
Há em nós um desejo insaciável por deixar rastro.
E uma ingenuidade infantil que se deflagra diante da primeira casa de doces e bruxa que encontramos.
Só quem ousa se perder se encontrará.
Ai dos pássaros engolidores de caminho,
Que ao invés de céus,
Chafurdam com grunhidos o chão da vida alheia.
E fazem seus ninhos com o passado-alimento.
Eles devoraram a volta com caroço e tudo.


sexta-feira, 25 de maio de 2012

O Ex-pirado: Um conto sobre o Pentecostes

Era madrugadinha de sábado pra domingo.
E a fogueira ainda estava acesa.
Fazia frio, e o tremor de dentro se juntava ao de fora.
As porteiras do sítio estavam fechadas.
No quintal, eles se olhavam desconfiados.
E um cachorro solitário latia seco, lá longe.
Tudo na roça era memória e fogo misturado!
O Ex-pirado era sentido em forma de canto de mãe-da-lua.

Eles não tinha bebido cachaça Salinas,
Mas, agachados, descascavam o fumo,
Enquanto na cozinha as mulheres cozinhavam milho e faziam pamonha.
De repente, alguém se lembrou do Ex-pirado.
E enquanto enrolava a palha pro cigarro,
Deu um dedo de assunto pra roda:
"- É, pois é, o Homem amou até virar tição!
 - Pegou fogo de tanto se dar!"

Sem precisar de mais explicações,
Todos compreenderam o resto:
Havia uma pira acesa no interior daquele Homem.
E de tanto se fazer tocha,
Fumegou até a última brasa sobre dois dormentes cruzados.
Queimando até o fim por cada um deles!
Ele, de tanto acender, ascendeu!

O que o mal tentou fazer virar fumaça,
Tinha se transformado em sopro.
Sopro + fogo = incêndio!
E o fogaréu se estabeleceu no coração gelado dos compadres.
O Ex-pirado havia incendiado uma lavoura inteira à sua volta.
E eles, pobres caipiras, eram os primeiros... os primeiros...

Por um fragmento de segundo redentor,
Quando o cheiro do milho cozido invadiu o terreiro,
Houve um emudecimento universal.
Os olhos miúdos e desconfiados se cruzaram tímidos.
E enquanto a porteira se abria e o milharal se explodia em espiga.
Cada um podia ver a brasa acesa no branco do olho do outro.
Sim, o Ex-pirado estava ali, bem no meio, acendendo a todos novamente!

Um clarão alumiou no breu da noite.
Na cozinha alguém gritou que o milho estava cozido, molinho, molinho!
Foi quando um moleque apareceu todo lambuzado,
Com a boca melada de esperança.
E os compadres cantaram modas de viola em várias línguas,
Desafinados, embriagados de vento e grãos!
Aquele causo fez as portas se abrirem com o vento.
E a vizinhança se achegou curiosa.
O frio havia passado.
E o alimento amarelo-doce se transformara em sacramento!

O Ex-pirado lambuzou de pamonha o Universo,
E provou da cachaça dançando Catira,
Os cachorros já estavam dormindo.
Tudo ali era uma coisa só: milho, chapéu, palha, fumo, viola.
Uma comunidade de irmãos havia nascido em forma de sopro.
A fogueira, um altar.

De repente, o Ex-pirado se levantou,
E todos os olhares se achegaram nele.
A viola ficou mudinha mudinha.
Com um papel de jornal com notícias passadas,
Ele fez um balão em preto-e-branco,
Acendeu uma chama nova,
Fresquinha, fresquinha, de tão quente,
E com um sopro suave,
Acendeu o brinquedo no meio do sertão enluarado.
E sumiu, escafedeu, deu com as botas!

No alto, alumiando a madrugada gelada de Maio,
O balão subiu tão alto, tão alto, que parecia pomba.
E os caipiras acompanharam calados, emineirados,
Primeiro com os olhos, depois com os dedos,
Aquele vento-e-fogo-e-história que tinha ascendido aos céus.
E que os fazia se abraçarem, cálidos, únicos,
Redimidos por um sorriso bobo e faceiro que até hoje chamam de Salvação.
O frio tinha sido vencido pelo calor...
A vida voava incendiada novamente.
Tudo fazia sentido.

Assim compreenderam que
O último sopro do Ex-pirado.
Fora o primeiro da roça!
O sertão se transformara em firmamento!

domingo, 20 de maio de 2012

O zumbido das abelhas

A verdade é o que perambula no zumbido da fofoca.
Como abelhas que fazem mel,
As pessoas zumbidoras agem por cooperação.
De manhã, bem cedo, antes que o Sol se revele,
Elas saem radiantes da colmeia
Com seus baldes sedentos do pólen da vida alheia.
Sim, as abelhas não possuem perfume próprio.
Elas mesmas não exalam outro cheiro senão a imbecilidade.
As flor do outro é seu alimento.
A fofoca colhida é doce.
O zumbido transeunte de seu voo é um diálogo de retorno ao lar.
Ai de vós se com a palma da mão acertares uma abelha!
Ela te picará até a sétima geração.
A abelha-fofoqueira assimila o conteúdo de seu voo na ponta do rabo.
O ferrão tem um quê de verdade mórbida.
Quando elas se encontram, o zumbido é uma sinfonia.
O perfume colhido se torna música e elas bailam satisfeitas por possuirem um tesouro.
Na colmeia, cumpridoras do dever,
Elas trocam aquilo que as flores lhes permitiram roubar
E edificam um castelo de cera!
Voilá! Temos uma verdade!
O melado das fofocas alheias é o que de mais real existe.
O perfume se perdeu.
As flores feneceram.
Restou zumbido e melado.
Sinto lhes informar,
Mas a fofoca é a cristalizadora da verdade.
Na boca triste das abelhas gordas e feias,
O perfume oculto do ser
Se torna doce e viscoso.
O zumbido é uma linguagem universal.
Aquilo que de fato exalamos pouco importa.
Vale o que é sugado, carregado, cuspido, cagado e encerado pelas abelhas zangadas.
A rainha-abelha é a mais triste.
Encarcerada no fundo da colmeia,
Vive das fofocas empedernidas de abelhas sem perfume.
A rainha também se alimenta de abelha.
Ela as devora!
Os melhores venenos são aqueles servidos doces, como sobremesas!
A operária é apenas a ponta de um iceberg sólido.
Todavia, quando após um dia longo de voos rasos e zumbido alto,
As tristes colhedoras-do-perfume-alheio estiverem com seus baldes vazios no fundo escuro da colmeia,
Elas se lembrarão do aroma inebriante das flores fenecentes.
E sentirão o peso do nada em seus úteros estéreis!
Elas se reconhecerão miseráveis, infelizes e absurdamente ridículas.
Reconhecer-se-ão miudas, sem nome, mas com um ferrão terrível,
Do qual todo o jardim se esquiva, deixando-as numa solidão única.
Aí então, quando as luzes da colmeia se apagarem
E o som do vento lá fora balançando as margaridas for ensurdecedor no interior de cada inseto-produtor-de-melado-verdade,
Cada operária descobrirá que suas asas além de zumbido,
São para fazê-la voar...
E tudo se transformará em Primavera!

terça-feira, 15 de maio de 2012

Frutificar

E Deus disse: Ide e frutificai, multiplicai!
O ser humano foi criado depois das plantas
Para aprender com elas a transformar-se em algo saboroso.
Ainda que com caroços.
Quis o Deus-Agricultor que a dinâmica fazedora das coisas se desse em forma vegetal.
A criação é um caminhar rumo ao bagaço.
Onde os frutos identificam o finito.
Na dinâmica do amor, há algo de fruta.
Plantar, regar, ver crescer, colher.
Morder.
Quando eu era criança havia uma brincadeira ingênua:
Pera, uva, maçã, salada-mista.
Aperto de mão, abraço, beijo no rosto.
E a salada que trazia tudo mais um selinho doce.
Ali a vida fritificava em cachos suculentos.
As relações são frutas dependuradas em nossa árvore-existência.
Tudo se multiplica no interior da raiz quando as flores se pipocam em rebentos.
Na fruta coabitam alimento e semente.
Ela guarda silenciosa uma nova vida dentro de um fim-bagaço que a espera.
O amor só se mostra no talo.
Nunca ouse falar de amor antes do caroço estar à mostra!
O abacate tem um caroço enorme dentro dele e parece um ovo de páscoa.
A melancia levou um tiroteio de sementes e as guardou quietinha no seu vermelho.
Eu nunca vi semente de coco.
Já a manga se entrega aos fiapos... ela é teimosa.
Ah, cada fruta é um romance.
E cada relação de afeto uma combinação única.
Tal como vegetais que só se tornam alimento quando são arrancados do pé,
A vida só se reproduz na colheita.
Eu prefiro o verbo apanhar do que colher.
Catar também é bonito.
Colher a gente colhe rosas, sangue, fezes.
Já fruta a gente apanha, cata, pega, chupa.
Multiplica-se quem não se nega às mordidas do existir.
É nas mordidas sofridas que os olhos se abrem!

sábado, 12 de maio de 2012

Giordano Bruno e o infinito

Ontem assisti uma peça sobre Giordano Bruno.
O teatro também é uma catequese.
A trama apresentava a discussão do filósofo com a Igreja.
A ousadia de liberdade contra uma instituição.
Giordano propunha um mundo infinito.
Que existia desde sempre e para sempre.
O aberto contra o hermeticamente fechado.
É óbvio que as fogueiras não queimarão jamais a procura humana pela verdade.
Responder com chamas ao pensamento livre de um homem é sempre a saída mais ridícula.
Mas, me perdoe Giordano, a quem admiro a ousadia.
É muito ingênuo acreditar em um mundo infinito.
Ele teve um começo.
Deus fez Big e depois Bang.
E carbonicamente deu vida a tudo.
E o Tudo deu vida a Deus nomeando-o.
Tenho mais uma notícia querido filósofo:
Esse mundo também terá um fim!
Ele é divinamente finito!
Gramaticalmente marcado pelo ponto final.
Eu sou apaixonado pelo acabamento do cosmos.
Depois que eu aprendi que o Sol fuma,
E que numa bela manhã tragará nosso planetinha pra dentro de seu pulmão,
Eu desisti do infinito.
Ele cansa.
O Sol também sofrerá de crise de abstinência.
E com sua ânsia pela dopamina-hidrogênica,
Nos aspirará trêmulo no espaço.
O mundo vai acabar ao som de Carmem de Bizet.
E absolutamente nada restará.
Pior, meu amigo.
Deus será o Spalla desta sinfonia.
A ciência também pode ser um refúgio doce.
Ainda mais quando tenta esconder o tempo que sempre vence.
Já que acabar é necessário.
Que o caminho rumo ao pulmão do Sol
Seja divino enquanto durar.
E que em cada relação humana,
O infinito brilhe eterno, cálido,
Como uma fogueira em praça pública!

quinta-feira, 3 de maio de 2012

SOBRE PREÂMBULOS E PERAMBULARES

O Papa escreveu:
"...não podemos esquecer que, no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Essa busca é um verdadeiro preâmbulo da fé, porque move as pessoas pela estrada que conduz ao mistério de Deus".
(BENTO XVI, Discurso no Collège des Bernardins, 2008)

Concordo plenamente.
Belíssima reflexão sobre o sentido.
Em sua busca, uma estrada!
Aqueles que põem o pé na estrada,
Sem perceberem, já pisam sobre a verdade,
E se equilibram nela.
Há um mistério na partida
E um mistério na chegada.
E há muito pó de estrada a ser aspirado pelo caminho.
Para mim, que vivo rodeado por esses caminhantes,
O sentido não é substantivo,
É verbo passivado.
Só quem se dispôs a sentir tudo de todas as maneiras
Tem o direito a inquirir o Deus.
O divino não se dá no fim da história.
Ele fascina no perambular.
Alguém poderia me explicar se a palavra "preâmublo" tem algo de perambular?
Quando eu vejo um livro,
Leio o preâmbulo. Se ele for bom, compro.
No "pre" o Todo já se dá.
O restante é paginação.
Eu adoro preâmbulos de viagens.
Arrumar mochilas, pesquisar no mapa, imaginar paisagens.
Sim, a paisagem verdadeira reside na imaginação.
Eu vi o preâmbulo do sentido com meus próprios olhos.
E ele dançava perambulando pelas ruas piscantes da cidade.
O amor verdadeiro reside no preâmbulo.
A estrada...
Enfim, ela já está toda na partida!
As verdades definitivas pertencem àqueles que não provaram os preâmbulos em doses cavalares.
Eu, que não quero verdade definitiva alguma,
Contento-me com o mistério que perambula...
Apenas perambula...