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sábado, 23 de setembro de 2017

Entre o sal e a lágrima

O oceano, da vaidade do seu infinito,
Aprende a ser grande pelas enseadas...
Pra ficar do tamanho de suas espumas.
É na minúscula rotina que a poesia quebra suas ondas.
Nas horas de descuido, onde o artista vira surpresa, vira bramido.
Não tema as marés baixas do poeta.
Pois é quando ele encalha seus navios
Que seu amor feito solidão e areia vira sal.
Pra aprender de novo o gosto de uma lágrima.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Pra quem deseja ser poesia

Escreva sempre à sangue quente. 
Primeiro seduza as ideias. 
Fuja delas. 
Despeje palavras no papel. 
Não as releia. 
Esnobe-as. 
E com soberba, talhe-as. 
Com raiva. 
Com tesão e pavor. 
Depois aspire-as. 
Cheire-as como se tivesse cheirando seu amor, 
do cabelo aos pés. 
Excite as palavras. 
Ofereça-lhes vinho. 
E mostre suas letras, uma a uma, 
pois, na poesia, tal como na paixão, 
os detalhes é que contam. 
Faça com que elas arrepiem antes de ter significado. 
E só depois, quando, exaustas, 
as palavras de sua poesia tiverem se desnudado por inteiro, 
tatue-as na parede de seu corpo-alma. 
De lá, elas não sairão jamais. 
E se exibirão, por vingança, como inalcançáveis. 
Escrever é perdoar-se.

O resto da mesa

Na janela do restaurante havia gente pedindo o resto.
A fome de fora não tinha nome.
Nem estatística.
Mas tinha rosto.
A janela tinha uma boca. Pequena. Passava um prato por vez.
Mas lá fora, os sem vez eram muitos.
E esperavam. Esperavam. Esperavam.
Ali, suas bocas eram de gente mesmo.
E boca de gente fala. Boca de gente come.
No evangelho de hoje o deus estava à mesa.
Ele era boca, fome e migalha e tudo.
E de tanto ser gente, sabia da boca de quem esperava.
A mulher cananeia não tinha janela.
Mas tinha o deus ali mesmo, como banquete.
Enquanto houver uma fome do lado de fora gritando,
O deus aqui de dentro não consegue existir.
Enquanto houver um rosto com boca e fala,
O deus continuará gritando, ainda que o mundo mudo não mude.
O resto da gente de dentro não falava com  o resto da gente de fora.
Evangelho a gente crê mesmo é de fome é de teimosia.