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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Escorrer-se

Porque o beijo tem sempre um quê de emergência.
A vida, besta e serpente,
Nos morde mesmo é pelas pernas,
Trazendo o passado como rastro e meta.
Poesia a gente faz como se faz tapioca.
Primeiro a gente umedece a matéria viva,
Como polvilho que precisa do líquido
Pra existir e afundar ao mesmo tempo.
Depois você adiciona o tempo,
Que, quietinho, faz toda mistura virar alimento.
E por fim você descobre que a matéria engoliu o futuro,
Como necessidade quântica de explodir em hojes perpétuos.
O poeta vive recheando as coisas sem gosto,
Pra ver se o sabor das coisas permanecem
Ainda que no triste vagar das palavras.
Faço poesia para perpetuar o gosto das coisas.
Os lábios que se tocam são pincéis delicados
De letras que não cabem em tipografias.
O deus, que fez o humano foi beijando mesmo
Quis morder a criação até o sangue lhe escorrer pelos beiços.
Mineiro, ele sabia que o vermelho de dentro era mais saboroso que o cinzento de fora.
E chamou tudo aquilo que escorre de Eternidade.
O futuro se engravidou do sorriso de seus dentes abertos,
Que como um canal cavado pelo homem,
Permite aos navios do poeta ultrapassarem como pequenas jangadas,
Lentas,
Mas absurdamente perdidas pelos destinos que não sabem quais são.
Amar é deixar-se escorrer.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O movimento das marés

Basta colocar uma vírgula
Pra tudo virar decimal e infinito.
Quando a maré baixa,
E o mar se encolhe como cachorro assustado em dias de fogos,
É que ele mostra seus corais mais perigosos,
Onde os navios bestas e ingênuos costumam encalhar.
Assim é o deus quando respira,
Tragando o azul do oceano com o movimento da lua.
Minha maré esvazia durante a noite.
Quando os sonhos despontam as rochas que me salvam e me afundam ao mesmo tempo.
E é assim, no silêncio das madrugadas imbecis,
Que os demônios sopram certezas em meus ouvidos,
E me lançam coletes salva-vidas pra me desafogar de mim mesmo.
A matemática não é uma ciência exata.
Porque entre o simbolismo dos números e a vaidade dos resultados,
Existe a cruz das adições
E os travessões daquilo que subtrai.
Entre o "mais" e a fala existe o inteiro, sempre igual a zero.
Meço meu peso com a profundidade de minha pegada na areia.
E sonho com o dia em que os rastros se apaguem
Pelo mesmo deus que quis lamber a areia do humano
Com as espumas incessantes de ondas fugitivas
Que me lembram sempre o pipocar macio das champanhes de seu reveillon.
As garrafas que o mar devolve estão sempre vazias.



sábado, 2 de janeiro de 2016

Entre as pedras e o mar

Éramos um penhasco e seus riscos.
E uma multidão de pedras-platéia-e-leito
Bebendo o leite do mar como se a praia fosse uma enorme mamadeira.
E havia o medo.
Sempre presente na forma de olhares suspeitos
Ou de passados, feito conchas encracadas e falantes
Observando um futuro que já não alcançam.
E foi exatamente aí que as carnes-esponjas resolveram nascer.
Descobriram o prazer em ser porto e perto.
Desceram ferindo os pés que não respiram,
E pisaram o quente do universo com as mãos.
Escolheram se esconder dos olhos do mundo
Pra se mostrarem ao olhar da moldura azul que contorna o real.
E foi ali, na mistura perfeita entre o líquido dos lábios calados
Que o deus quis derreter úmido na ousadia dos apaixonados
Transformados em corais, seixos, algas
Ou sei lá o quê com sabor de sal e si.
Mas únicos, como cada pedra recolhida em memória ao amor molhado que os envolvera.
Se o mar está no meio de seu nome,
É para que a saudade nunca se esqueça de te trazer a cada instante,
Como ondas que beijam incessantemente a areia bêbada.
Amanhecida de garrafas e declarações de amor eterno.
O reveillón de teus ruídos pipocaram um ano novo no meu peito.
Que decidiu explodir no ritmo dos apitos dos navios distantes
Ansiosos pela travessia no canal onde as águas se acalmam.
Nas pedras espremidas entre o amor e o amar
Descobri o mar de seus olhos fazendo onda em meu corpo.