Visitas

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Mãos que não mudam

Hoje eu fiz uma visita que me refez.
A uma senhorinha, minha antiga catequista.
Deus me visitou nela.
Oitenta e oito anos de amor. Olhos puxados pela origem e pelo tempo.
Delicadeza no cuidado.
Preparou-me uma mesa com salgadinho sem queijo e refrigerante.
Sim, ela sabe do que preciso.
E do que não posso!
Seus passinhos lentos, sua boca miúda e serena me fascinam.
Mas sãos suas mãos finas, com suas veias estaladas que me hipnotizam.
Cuidado puro, em forma de tempo.
Amor que não muda. Eterniza-se na palavra suave e terna.
Senhor, dá-me, no fim da vida, a coragem de ter mãos com veias estaladas.
E que dentro dessas veias, corram um sangue castigado pela vida.
Mas que seja carregado de sentido.
E que levem o bem ao meu peito cansado.
Senhor, que na minha inconstância perene de existir,
Eu nunca me esqueça daquilo que não muda.
O bem que fazemos aos outros.
Bem que é simples, Bem que anda devagar.
E não fala alto.
Que eu mude de tudo...
Mas jamais me esqueça do Bem.
E serei eterno como as mãos meigas da minha velha catequista!

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Mãe Coruja

Ontem eu vi uma coruja cuidando de quatro filhotes.
Ela era altiva, senhora de si, enorme.
A cada passo em direção de suas crias, vôos rasantes de alarme.
Ela cuidava como ninguém daqueles quatro pequenos bichos feios.
Uma coruja também pode ser mãe.
Uma coruja doa a vida por seus bebês, se preciso for.
Pensei em tudo o que somos enquanto gente.
Somos bichos também, e embora não saibamos voar raso ou alto,
Passamos nossa existência procurando a quem cuidar.
Filhos, Emprego, Povo, Cachorros de estimação.
Está na essência bichotesca da vida, alimentar outros.
No cuidado, a verdade da vida!
Na defesa dos seus, está o sentido de cada ser vivo.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

A respiração da flautista

Há alguns dias atrás eu ouvi uma flautista.
Ouvi a respiração ofegante da senhora idosa, com sotaque francês e fartos cabelos brancos.
Eu vi o divino soprando a história.
A flautista era magra, pequena e com mais de 80.
Tinha um sorriso intenso e nítido e uma mão enrugada e meiga, que fazia carinho no instrumento.
Ao empunhar a flauta, empunhou também minha esperança.
Ergueu-a como se fosse uma espada chinesa.
Chamou a atenção de todos no restaurante, que, extáticos, desempunharam seus talheres para ouvir a vida soprar melodias suaves.
Quinze minutos de eternidade, traduzidos em quatro canções mágicas.
O que mais me chamou a atenção, por incrível que pareça, não foram as músicas.
Embora bonitas, elas não me seduziram.
O respirar da flautista, isso me cativou.
Cansada, exausta pela vida intensa, ela conseguiu mover todos os músculos de seu mirrado corpo para que o sopro saísse.
Era uma fonte jorrando.
Entrei em seus pulmões miúdos naquela noite.
Senti o hálito quente de quem se doa por uma causa.
Suave, ela me fascinou com o ar que entrava frio e saía quente de seu peito.
Bendita flauta que recebia feliz toda a vida daquela senhora.
Confesso que tive vontade de ser aquela flauta.
Acariciado por aquelas mãozinhas calejadas.
Inspirado por aquele ar quente e educado.
E soprar músicas com a alma.
Naquela noite pedi a Deus que no fim da minha vida breve, eu possa ter a coragem de não parar minha respiração por nada.
Roguei ao Senhor dos hálitos, que mesmo no meu cansaço eu saiba inspirar esperança nas pessoas.
E que minha vida seja uma melodia suave na noite triste do Universo.
E serei sopro.

Foco

Tenho aprendido sobre foco.
Focalizar coisas e pessoas para sairem bem na foto.
A palavra foco é irmã da palavra fogo.
Trazer para o foco é trazer para o fogo.
Tornar quente o que anda frio.
Tornar nítido o que o tempo embaçou.
Uma imagem não focada fica pra segundo plano.
Uma pessoa não focada também fica pra segundo plano.
Uma vida não focada não tem planos.
Não existe um botãozinho na vida que nos ofereça focos.
É preciso girar, rodar, e fechar os olhos miúdos na direção das coisas.
Uma vida que não roda também não focaliza nada.
O amor nos ensina a dar foco.
O amor nos faz sair do embaçamento ordinário da existência.
E nos conduz ao reflexo nítido de nós mesmos.
Eu sonho com um mundo que tenha foco.
Onde pessoas, vidas e sonhos não sejam apenas retratos estranhos.
Mas nítidos olhares divinos.
Eternizados em cada instante de bondade.
Fotografias do Amor estampada no porta-retrato da história!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Uma crônica de férias...

UMA PAREDE DE PEDRAS

Estou de férias. Escrevo do Santuário do Caraça, no fascinante interior mineiro. Lugar de silêncio. Inspiração. Por aqui passaram milhares de jovens durante quase duzentos anos, formados na mais rígida disciplina e na mais austera educação. Sim, naquela época a austeridade e a disciplina eram coisas boas. Ninguém torcia o nariz para elas. Os padres carecas e sisudos dos quadros das paredes do Caraça me fizeram refletir ontem sobre isso: austeridade e disciplina. Que coisa maluca! Como pude pensar em coisas tão áridas justamente num lugar de relaxamento e prazer. Que engano! O Caraça é traiçoeiro!
Que vem pra cá buscando a calma sairá incomodado. Sentirá seu sangue ferver ao contemplar as montanhas íngremes e ferozes que com sua imensidão nos provocam a escalá-las. Principalmente quando vemos uma igrejinha no alto gritando: “Alguém me pôs aqui!” Mais do que isso. Sentirá arrepio em pensar na dificuldade imensa de alguém que, suando a cachoerias, empilhou pedras para erguer uma bela igreja do tamanho de um prédio de dez andares. E o Caraça me provocou.
Exatamente agora, enquanto escrevo, contemplo um recorte de parede antigo preservado em sua construção original. Está aqui há mais de duzentos anos. Intacta. Eterna. A parede não é construída apenas por grandes blocos de pedra. Por si só eles não se sustentariam. Entre cada uma dessas pedras gigantes, há pequenas lascas de rocha, colocadas minuciosamente nos vãos. Espremidas no meio dos grandes blocos e embebidas de barro, as miúdas pedras dão a liga necessária para o sustento da obra. A vida funciona do mesmo modo. Somos o exato equilíbrio entre a austeridade e o peso da disciplina e a leveza e agilidade da liberdade.
Há um grande desequilíbrio no mundo de hoje. Falta liga. De um lado sempre existiram pessoas enormes, duras, completamente seduzidas pela rigidez da vida. Foram colocadas na existência de maneira arrastada e vivem desse mesmo modo. Pesadas, elas se apegaram à austeridade das normas e já não conseguem se mover. São aquelas pessoas voltadas para instituições e regras. Pessoas do poder. Vivem de nomes e títulos. Suas funções são aquilo que são e pronto! Na grande muralha social, ocupam espaço fixo.
Por outro lado, há as pequenas pedras lascadas. São aqueles que se esgueiram entre os blocos para sobreviver. Entraram atrasados na construção do mundo. São extremamente leves. Voam até! Esses precisam estar sempre agarrados a uma pedra enorme para sobreviver. Amalgamados no vão das relações, sabem se deslocar facilmente de um lado pro outro. São tortos, irritantemente tortos. Alegram a existência com sua agilidade. E parecem livres. Sobretudo livres!
O desequilíbrio acontece exatamente porque vivemos mais em tempo de pedras lascadas. Os grandes blocos estão quase todos dissolvidos. Eles também se cansaram do peso? Não sei, mas sei que cada vez menos surgem vocações para o grande. É raro identificar na sociedade de hoje pessoas que estejam dispostas a moldar suas vidas na austeridade de uma missão. Carregar o fardo de uma responsabilidade parece impossível aos corações modernos. Somos cada vez menos capazes de construir igrejinhas no alto das montanhas. Tenho medo de uma civilização que não suporta o peso do tempo. Tenho medo de um mundo leve demais. Pequenas pedras não fazem paredes. Fazem chão.
Olho para minha vida de pedra e a confronto com a daqueles padres dos retratos das paredes. Eles cruzaram oceanos, subiram e desceram montanhas para empilhar pedras. Montados em burros empacadores, embaixo de chuva ou de Sol escaldante, suportaram o peso do Evangelho sem reclamar. E construíram Igrejas. Souberam aliar a leveza com a disciplina. Entraram para a história.
Tenho medo de não conseguir nunca ser uma pedra, nem grande nem pequena. Temo ficar no vão da história. Ou pior, deslizar morro abaixo por não suportar o tempo. Uma pedra caída do muro é uma pedra esfacelada. Pisada. Pó. Deus tem me talhado. Tem insistido em me dar o molde perfeito para encaixar-me na parede concreta e enorme da vida. Mas, no meu comodismo, insisto em não me deixar amalgamar. O pecado da sociedade também é o meu. Começo a pensar que talvez eu não esteja sendo capaz de construir muralhas. Começo a pensar que fui exageradamente lascado. E temo não ter o equilíbrio de dar o sustento a uma obra. Meu desejo de conforto parece estar maior do que meu desejo de escalar montanhas.
Ó Deus, há muitas igrejas para serem erguidas nos altos montes. Há muitos desafios a serem superados. Não me permita nunca ficar no chão. Dá-me uma coragem semelhante aquela dos padres que ergueram o Caraça. Que eu não me apegue aos meus prazeres a ponto de sacrificar o equilíbrio da obra. Sou leve, porém meu lugar é na parede e não no chão. Ensina-me a ser fiel sem perder a liberdade. Quero uma austeridade torta! Quero uma responsabilidade esgueirada! Quero dar liga! E construir templos cálidos de esperança!

terça-feira, 6 de julho de 2010

Um álbum de fotografias

Alguns dias atrás vi duas crianças folheando um álbum de fotografias.
Presente do amor.
Elas se viam retratadas.
A fotografia fez daqulelas pequenas vidas duas vidas enormes.
Extáticas.
A fotografia faz o tempo parar.
Retratos não respiram.
Olhei para as faces das crianças e seus olhinhos miúdos.
Brilhavam reluzindo o tempo parado das imagens.
Contemplar-se no instante capturado é o grande desafio da vida humana.
Os instantes nos escapam e não conseguimos nos ver.
As crianças se viram.
Eram elas mesmas ali!
Livres, Puras, Vivas.
Eternizadas no click da câmera.
Dá-me, ó Deus, um coração fotografado,
Para ser eterno nos pequenos instantes que a vida me oferecer.
E que o amor seja a minha figura impressa no mundo!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Padre Sérgio de Tolstói

Ontem li um livro em um dia.
Padre Sérgio de Tolstói.
Estou completamente embriagado por esta leitura.
Deus me coloca o livro certo na hora certa.
Vale uma citação:

"Então era isso que meu sonho queria dizer. Páchenka é o que eu deveria ser e não fui. Vivi para os homens a pretexto de viver para Deus, ela vive para Deus achando que vive para as pessoas. Sim, uma boa ação, um copo d´água oferecido sem pensar em recompensa vale mais que tudo o que fiz às pessoas. Mas não havia um quinhão de sinceridade no desejo de servir a Deus? Sim, mas tudo isso era maculado e encoberto pela vaidade humana. Não há Deus para aqueles que, como eu, vivem para a vaidade humana. Vou procurá-lo".