Visitas

sábado, 22 de outubro de 2011

Liturgia Mineira

Visito Belo Horizonte.
Aqui morei há três anos.
Mas sempre que retorno, sinto-me emineirado novamente.
Se existe uma cidade que cheira algo bom é BH.
Aqui há uma liturgia da vida
Que nós, paulistas, perdemos faz tempo.
Celebra-se tudo a todo momento.
Desde o café passado na hora por ocasião de uma visita.
Àté as grandes festas do ano cristão.
O mineiro sabe fazer o tempo andar a seu favor.
Há um ritual secreto em cada encontro.
Uma missa rezada em cada olhar.
A vida mineira é um altar.
Tudo é festejado com pompa e reverência.
A família que se reencontra,
A escola, A professora, O anel de quinze anos,
O medo, e inclusive a morte.
A infinitude de novenas e procissões são testemunhas.
É uma revoada de anjinhos e flores.
Cantos e persignações.
O céu traduzido num escorre-lento da vida.
É triste ter perdido a dimensão liturgica do existir.
É triste não marcar o tempo por encontros festivos,
Mas por prestações, vencimentos e juros chatos.
A vida que era regida pelos sinos sagrados
Soados sem temor,
Para reger como uma orquestra a beleza do universo,
Agora é reduzida a bancos, caixas-eletrônicos e apitos de fábricas.
Feliz é o mineiro que na sua sabedoria,
Sabe fazer da vida um trem de ferro...
Parando em cada estação, devagarinho,
Serpenteando histórias cruzadas, cantadas, dançadas.
Onde o fim não importa,
Mas a sinuosidade do caminho dá sentido à fumaça exalada.
Há um desejo de Minas eterno em mim.
Há uma montanha a ser escalada.
E uma cachoeira a ser descida.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Locomotivas e Vagões

Há pessoas-locomotivas e pessoas-vagão.
Umas puxam, outras são puxadas.
Umas apitam e soltam fumaça,
Outras apenas deslizam sobre trilhos.
Umas queimam.
Outras comportam.
Entretanto, todas precisam de trilhos para ir.
Os vagões vivem atracados, engatados uns aos outros.
Mas é a locomotiva que vai adiante.
Impávida, senhora de si, negra e cheia de barulho.
A locomotiva fala.
O vagão se arrasta num silêncio sepulcral.
O vagão não sabe viver sem trilhos.
A locomotiva constrói estradas,
E risca o céu com sua fumaça.
Os vagões, em seus descaminhos, procuram culpados.
Geralmente apontam as locomotivas: elas me fizeram perder o caminho!
Os vagões são tristes porque são ocos por dentro.
Já a locomotiva é sólida.
Ás vezes a locomotiva se cansa de puxar.
Para. Fumega um poquinho. Mas recomeça.
O maquinista não controla a locomotiva.
Ela a monta, como a um boi brabo.
Os vagões, tadinhos, são sempre abarrotados.
Cabe um mundo num vagão.
Ele não é singular.
As estações são o refúgio dos vagões.
Lá eles se deliciam com o entra e sai dos passageiros.
Vomitam e devoram o tudo, sem ficar com nada.
Para a locomotiva, a estação é a ilusão da parada.
Os trilhos continuam gritando por idas.
Para a locomotiva não há fim. O ponto final é agora.
Há apenas trilhos.
A locomotiva é verbo.
O vagão é conceito.
Minha vida não pode terminar num conceito.

Identidade e Parresía

Id-ente.
Esse ser é o mesmo.
Aquele não.
Ser sempre o mesmo é algo muito entendiante.
O contrário do mesmo é o diferente.
Diferir-se é tarefa.
A coragem de não ser é parresía.
Estética da existência.
Tornar-se uma obra de arte.
Contemplar-se num fazer-se constante.
Tenho medo da coragem.
É triste,mas fazer o quê.
Tenho.
Ser corajoso dói.
A identidade é tentação.
O diabo é idêntico.
Ele não se diferencia.]Ele busca se igualar.
Diabólica é toda tentativa humana de igualar-se,
E não esculpir-se a marteladas.
O fim dos tempos é a identidade.
Parusia do mesmo ante a vida fluente.
Eu construi minha catedral no Reino da Diferença.
Meus altares estão no interior do múltiplo.
E o Verbo se fez Palavra para habitar entre nós.
Carne falante. Respirante. Desejante.
Também o corpo é uma forma de fotossíntese.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Pitangas

Há perguntas que para mim cabem várias respostas.
Aliás, nunca fui alguém de uma verdade só.
Eu tenho minhas opiniões,
Mas, se você preferir, posso ter outras.
Todavia, quanto a uma questão específica,
Não tenho mais do que uma resposta.
Minha única certeza absoluta.
"Qual sua fruta predileta?"
Pitangas!!!!!!!
Não tenho hesitação alguma.
Meu paraíso será uma apoteose vermelho-azedo.
Não existe nada que se iguale ao sabor de uma pitanga.
Ela não é nem ácida, nem doce, nem amarga.
Nem tenra, nem áspera, nem nada.
Ela é o infinito de possibilidades pendurado.
Sua forma é uma estrela com muitas pontas.
Pontas que apontam pra tudo.
Não adianta comparar:
A pitanga não se parece com acerola, nem com cereja.
Muito menos com laranja
(embora o casamento dessa última no altar do suco seja irresistível).
A pitanga é a singularidade do Ser chupado.
Quando eu era criança,
E ia à catequese,
Adorava o pé de pitanga ao lado da capelinha.
Era um modo do Deus me atrair pra Ele.
Outubro, que já foi o mês de Nossa Senhora,
dos Anjos da Guarda e hoje é das crianças,
Era mais feliz porque era o mês das pitangas.
Eu esperava quietinho o calendário virar...
E quando chegavam as primeiras chuvas, "buummm"!
Aquela arvorezinha sem graça se explodia numa catapora de bênçãos.
Fui à feira ontem e não achei a bendita.
Que ignorante eu sou...
Ainda não aprendi que pitanga boa é pitanga roubada.
É a fruta mais brasileira que conheço.
Consegue ser tudo e trazer todos os sabores do planeta,
Numa miudez que dá dó.
A pitanga é a síntese do Darcy Ribeiro.
A "pós-modernidade" se é que existe,
Existe como uma pitanga.
Pendurada, tênue, azeda e doce ao mesmo tempo.
Esperando para ser apanhada.
Chupada e cuspida.
Há em meu peito um pomar de pitangas.
Um desejo maluco de ser algo doce.
Mas com um azedume incrível.
A alguns espanta.
A outros, fascina.
Rezar pra mim é subir em meu pé carregado.
E saborear-me,
Quietinho, escondidinho.
Enquanto a aula de catequese não começa.