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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A procissão e as folhas de uva

O deus aqui no Brasil é bom porque anda.
Ele não sabe mesmo é ficar parado.
E por isso crê os homens quando eles se movimentam.
Coisa boa é o interior sendo procissão em todo canto.
É santo que vai, santo que vem,
Carregado por gente que de tão santa, sente.
Minha fé de criança veio de ver meu pai carregando o andor na sexta-feira da paixão.
Foi ali que eu descobri que também o deus sangrava.
E quem sabe, por isso,
Aprendi que as feridas de qualquer pessoa já eram uma missa, ali mesmo.
Ali eu entendi que o humano suportaria o peso-passo do divino pra sempre,
E o passaria de mão em mão,
De fadiga em fadiga,
Até o centro da praça do universo,
Onde as meninas beijavam escondido,
E o padre dava a bênção no final.
Foi beijando escondido que eu vi deus pela primeira vez.
Pois só mais tarde eu saberia que os beijos expostos eram pra trair.
Como as trinta moedas de nada,
Tilintantes, estúpidas.
Procissão aqui a gente transforma em Carnaval,
Pois a distância da avenida é o intervalo da vida besta.
Que só sambando mesmo a gente dá jeito de passar.
Não te condeno pela sua nova chance.
Condeno é a foto da noite estrelada que não partilhei.
Crueldade é o sobrenome do fim.
Ás vezes me sinto como numa eterna procissão,
Sobre um andor, tendo aos pés as flores-finadas sem cheiro.
Talvez por isso a praça-da-apoteose seja sempre a última.
Onde o pagão e o cristão se irmanam,
Suados, ridículos, úmidos.
Mas infinitamente reconciliados pelo Amém-Amem do destino.
Feito quarta de cinzas,
Irrevogável, como tem de ser.
As folhas de parreira que cobriam as vergonhas do ser
Viraram jantar de início de amor-novo.

domingo, 25 de outubro de 2015

Alienígenas

Eu seguro a sua mão e pronto:
O avião já não cai mais.
Escrevo pra excitar a matéria viva.
Feita de tudo o que come.
E não se sacia nunca.
A travessia das palavras é percorrida só.
Como a carne que habitamos mudos.
Os hiatos de tua boca são do tamanho de minhas dúvidas.
O artista é a ferida do universo.
Porque sangra e ri ao mesmo tempo.
Livre. Úmido. Triste.
É no intervalo do avesso que o deus quis de-ser,
Criando e salvando ao mesmo tempo.
Amor a gente percebe é nas dobradiças,
Quando o ranger das portas denuncia o tempo de sair,
Ou de entrar de vez, intruso de tão besta.
Nosso amor é lindo porque nunca ficamos.
Escolhemos permanecer.
No fim, quando toda matéria for engolida e vomitada pelo deus,
E as estrelas não passarem de história de alienígenas,
Talvez nos lembremos de nossos dedos entrelaçados como cordas...
Esticadas, amarrando o presente ao amanhã.
Que já está às portas.
E pede passagem.


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

As castanholas de seus pulsos

Nós somos meio que surrealistas né?
É que no hiato da sua alma,
O inconsciente se diverte como criança...
E eu o sinto, na liberdade que faz tudo ser permitido...
Dos dentes mordidos que inflamam,
Às galinhas que jogam beisebol.
Sua galeria é feita de 465 portas
Que eu abrirei uma a uma, lentamente
Pra não perder a graça do ranger das dobradiças.
Porque é nas dobradiças que o amor acontece.
Pergunto-me se existes,
Pois a poesia é a melhor forma de (re)existir.
Amar não é verbo intransitivo.
É verbo em trânsito,
Feito das curvas do Rodoanel,
Que ligam dois longes que se tornaram perto.
Pois o Amor torna tudo perto.
Vi os bigodes da Frida.
E contei os fios, um a um.
E sem que percebesses, eu a via ali, na parede,
Como um sonho que transbordou sem pedir licença.
Amar rima com derr-amar,
Porque vaza as palavras,
Escorre pelos medos,
E transborda como uma química perigosa,
Que faz de dois corpos quentes um par de reféns
Vestidos de nada.
Feito um infinto entrelaçado que anoitece fervendo...
No estralo infame das castanholas de seus pulsos.
São assim as noites de outubro nessa cidade suada e de lua derretida.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

O mar e a cachoeira

E eu me entregarei como vítima.
Quando as pitangas caíram,
Mal sabia eu que tinha um pé novinho em folha no quintal.
Miudinha.
Mas incríveis, porque ali as pitangas sabiam ser sensíveis.
Pois tudo tinha mesmo é jeito de galeria.
Eram cachorros e móveis pintados com as cores de Frida.
E as dúvidas decidiram tomar cor também,
Pois somente assim mudariam o horizonte de lugar.
Atrevidos.
Borraram os lábios no rush da estação lotada de bocas.
E no prazo de dois dias ingênuos.
Decidiram viajar 4560 kilometros juntos.
Pois descobriram que a distância impossível do amor,
Dura o necessário pro mar e a cachoeira se encontrarem...
Líquidos.
Umedecendo o mundo de sentido novamente.

sábado, 10 de outubro de 2015

Berne

Em matéria de amor continuamos rodriguianos.
E talvez nunca o sejamos tanto.
Há um quê de crueldade em quem ama.
Porque o Outro só aparece mesmo quando é espremido.
Minha vó uma vez disse pra tomar cuidado com a "berne".
Pra quem não sabe, explico como alerta:
Começa com uma ferida aberta.
Que deixamos aberta por preguiça mesmo.
Na verdade, nem lembramos mais quem abriu.
A ferida é a ponte entre o "eu" e o mundo.
Pois é na dor que descobrimos que existimos.
Vem a mosca. Sorrateira. Inseta.
Aparentemente minúscula.
E, Zumbindo, deposita ingenuamente um milhão de ovos-perguntas
Na ferida-feito-fuga-e-flor.
Ovos chocados pela ilusão da possibilidade.
A mosca, que de tão leve não precisa bater asas pra ser levada pelo vento,
Dizem que foi vista em outro continente.
Mas a "berne" fica.
E incha bonito, como uma mulher grávida,
Chutada por dentro
Pela vida que suplica passagem.
"Berne" é todo amante doente de esperança.
Fecundado por asas que ainda não nasceram.
O problema é que a "berne" não nasce.
Só faz mesmo é doer e dar febre. E sede.
Minha mãe me levou na farmácia pra vazar a "berne"
Que em mim, engravidou meu cotovelo.
Lembro-me da agulha entrando em mim,
Como se furasse uma bexiga em festa infantil antes da hora.
Transgressora. Criminosa.
Eu esvaziava.
Pois via o líquido jorrar da ferida como uma fonte nova.
E num misto de choro e risada,
Dava a luz ao que de mais belo pode existir.
O de Dentro e o de Fora já não existiam.
Pois entre a Memória e a Cicatriz um beijo foi selado.
Todo mundo merece uma nova chance pra ser vítima.
Os melhores beijos não serão dados.
Serão sequestrados.

(Releio o texto e penso o título do post, que, por raiva, será berne mesmo)




quinta-feira, 8 de outubro de 2015

De-ser

Escrevo pra despistar o Ser.
(R)existo no desequilíbrio dos teus cabelos em protesto.
Faz calor.
E eu já fiz xixi no centro geodésico das Américas.
O amor só foi livre uma vez,
Mas preferiu voltar pra gaiola,
Pra cantar atrás das grades.
O muro que nos separa nós não vemos.
Mas tem nome: Liberdade.
Chega um dia que as pitangas amadurecem,
Suicidas, elas saltam pra não virar semente.
E pra ficar pra sempre no terreno da Saudade.
Minha poesia é meu jeito de De-Ser do mundo,
Que de tanto rodar, insiste em voltar ao mesmo eixo.
Leva-se uma vida inteira pra se tornar desobediente.
Enquanto corres,
Rastejo.


Gatos que miam

O destino do Mesmo é virar conceito.
E todo conceito, depois de cansado, resolve virar preconceito.
Amor é o que acontece no descuido e nas bobices.
Mineiro, ele chega pelas beiradas do Ser,
Com hiatos que o fazem sentir vergonha,
E dentes mordidos durante a noite.
Ele acontece sempre quando estamos despreparados.
O amor não permite treino.
Não agenda consulta.
É sorrateiro e traiçoeiro ao mesmo tempo.
Porque não avisa.
E manda a conta depois.
O amor nos faz todos endividados.
E mau pagadores.
O Outro escava no Mesmo o lugar onde cabe certinho o seu Bem.
E poder chamar alguém de Bem é o que faz quitar a vida em prestações curtas.
Não espere do seu Amor nada mais do que o Movimento.
E sobretudo não permita que ele se transforme em conceito.
Habitar alguém significa torná-lo refém do hábito.
Pernoitar alguém significa fazê-lo morrer de sono.
Já Hospedar alguém significa tratá-lo como alguém em passagem,
De viagem pela estrada maluca da vida,
Mas que por alguns instantes,
(ou pela vida toda)
Resolveu ficar para descansar e tomar sopa num dia frio.
Não ofereça ao seu Bem o peso dos conceitos,
Ofereça o caldo das bobices da vida.
E saboreiem-se. Como crianças.
Que não precisam de nomes para brincarem a noite toda,
Como gatos que miam no escuro das expectativas.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

O forno e a poesia lá do alto

Tenho outras que depois te mostro.
É que não alcanço onde elas estão.
O mais belo poema não se apresenta logo de cara.
Ele precisa ser garimpado.
Pois está escondido no lugar mais perigoso de todos.
O lugar das incertezas.
Não se apresenta os mais belos versos da alma
A quem não consegue compreender sequer a primeira linha.
Ontem pus minha foto de criança pra todos verem.
Eu era assustado com o mundo,
Que pra mim era sempre algo a ser descrito.
Eu brincava de ser professor.
De narrar jogos de futebol.
E de falar sozinho.
Minhas palavras eram meus brinquedos
E eu as provocava até saírem espremidas pelo lápis.
Mas eu gostava mesmo era de giz-de-cera.
E caderno Jandaia que tinha cheiro ruim.
Um dia minha mãe me disse que eu entrei no forno.
E quase virei o fogão com panela e tudo.
Não sei porque, mas foi ali que minha consciência cartesiana brotou
E eu me descobri sujeito pensante ao invés de ser pão ou bolo.
Asso logo existo.
Desde então escrevo desse jeito.
Cozinhando inteiro por dentro antes de desenfornar.
Primeiro eu unto bem os sentimentos,
Enfarinho a forma da língua-mãe-madrasta
E depois coloco aos 200 graus centígrados
A mistura fermentada de desejo-raiva-ansiedade-e-medo.
Eu não te prometo que o bolo ficará bom,
Mas prometo a aventura de vê-lo crescer,
Devagarinho,
Dourando e espalhando cheiro pela casa,
Até que a fumaça atinja a altura necessária,
Para alcançar a poesia que ficou lá no alto.
Esperando o momento certo de ser saboreada.


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O primeiro beijo do acaso

Eram apenas dois entre os milhões de caminhos.
E se evitavam.
Com medo da fatalidade do impacto.
Já tinham se cruzado na Economia, na Política,
Nos portões da fumaça,
Mas gostavam mesmo é de se econtrar nas palavras.
Que nunca precisaram ser vistas pra se tocarem.
Ultimamente começaram a se encontrar nos sonhos.
O Destino correndo dos tiros da Menina.
A Menina, de mudança, com a casa e os coelhos nas costas.
Tinham escolhido o traje.
Tinham escolhido a data.
Tinham escolhido o assunto.
Mas o que é bom de verdade na vida,
Acontece mesmo é às vésperas.
Sorrateiro.
Invasivo.
Desonesto.
E no meio dos milhões de passos buzinados,
A Paulista emudeceu. Pálida. Humilde.
O primeiro beijo entre a Menina e o Destino
Só poderia ser assim.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Carna (va) lidade

Li de um amigo:
"O Outro tatua a nossa carne".
Gosto da poesia do teu corpo,
Porque ela é prece, é súplica,
É sino e sina ao mesmo tempo.
A diferença entre a sina e o sinal é o silêncio.
O percurso da carne é mudo.
Pois o corpo, que nunca está nu,
Sussurra pra não acordar as crianças à noite.
O hiatos de sua boca me fascinam,
Porque são vírgulas no seu sorriso.
O tempo do respiro que não encontramos na semana que nos come.
A carnalidade que não permite objeto,
A carnalidade que não suporta conceito,
A carnalidade que de tão úmida, chove.
A carne não tem data de validade.
Ela é imperecível.
E não precisa ser congelada.
O deus, que de tão úmido, se fez carne-sem-aval,
Fez da carna-va-lidade o território do sentido.
E da vida, desfile de terça-feira gorda.
A nudez das ideias não precisa ser vestida.
Deixe-a no máximo com roupas íntimas,
Ou vestida com sua camiseta de dormir,
Para que na mais fria das noites.
Reste a certeza de que é escapando
Que a vida e o amor se misturam, loucos,
Nas histórias sem fim contadas de noite,
Quando a carne e o deus, exaustos, já não precisam de fim.
Simplesmente dormem.