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quarta-feira, 20 de março de 2013

Vermelho-Cru

De tudo, O mais fascinante é que a carne se fez verbo.
O quente, o úmido, o repleto de nervos quis falar.
Uma veia percorrida de sangue
É visível quando esguicha.
Afinal, o que é a fala senão um engarrafamento sanguíneo no cérebro.
Para mim, o fato do deus ter se feito carne
Só tem sentido para que a carne seja músculo.
Alguém pode me explicar onde é o começo do corpo?
Já o procurei em tanta coisa...
E ele sempre se disfarça de teoria.
Um mover de lábios,
Uma flexão de joelhos,
Um engolir constante,
E piscadelas... ciliadas piscadelas...
Todo movimento é sacro-amento,
Por tornar santo o alimento de momentos.
Amem-to.
E faz de todo ponto um sinal.
Não é o sopro que faz começar.
É o expirar exasperado cheio de esperança.
O ar que sai é sempre mais quente.
Já o que entra é frio.
Amar é transformar o outro-gelado que entra
Em febre, em delírio.
É no suor frio da ausência
Que se mede a temperatura da carne.
Não sirva o amor antes de lhe queimar a língua.
Todo corpo é um forno.
Se existirem paredes internas da alma,
Que sejam pintadas de vermelho-cru.




segunda-feira, 11 de março de 2013

Conclave

Eu insisto em falar sobre relações.
Afinal, tudo começa mesmo é por elas.
Primeiro, o deus se relacionou.
E, por se mover, acendeu uma chama insaciável, chamada humano.
Cada relação humana é um conclave.
Há aquelas nas quais as chaves ficam pra fora.
Aquelas nas quais as chaves ficam pra dentro.
E aquelas nas quais não há chaves, nem portas.
Trancafiar-se em mistérios para eleger aquele ao qual se abre nossa vida
Talvez seja inevitável, mas com certeza dramático.
Uma palavra é uma forma de chave.
Mas também pode ser cadeado.
Guarde-as para o mistério que se encerra sob portas seladas.
Não mostre seu menu logo na recepção.
Permita antes com que o outro se assente,
Beba algo suave, e repare nas roupas alheias.
A maioria das palavras ainda são adolescentes.
Afoitas, espinhentas, anseiam sair boca afora.
E muitas vezes trancafiam ad aeternum quem as pronuncia.
Não pretenda possuir as chaves de um encontro,
Sem antes saber se as portas permanecerão abertas.
A mesma porta que servirá de entrada,
Provavelmente será a de saída.
Eu prefiro a palavra "inevitável" a "essencial".
Não evite um encontro feito sob o olhar de chaves alheias.
Afinal, para que a fumaça branca suba pelos ares,
O importante mesmo é que o fogo seja aceso.
Somos eleitos antes de eleger.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Murmúrio

Ele é uma muralha erguida.
Intransponível.
Há nas paredes da lamúria uma infinitude de tijolos
Cozidos no fogo da mediocridade.
Murmurar é erguer um muro ao possível.
E pintar de impossível as vitórias não alcançadas.
Incapacidade é diferente de impossibilidade.
Vencer exige saltar.
Perder não é o fim.
Fazer dos obstáculos trampolins!
É ao sopé da montanha que se vislumbra a altura do pico.
Para se pronunciar "murmúrio" quase não é necessário abrir a boca.
É algo que se fala com os dentes trincados.
O pior murmúrio é pra dentro.
"Montanha, você é mais alta do que eu! Eu jamais te escalarei!"
O murmúrio se embebeda de acusação.
Por isso, a reclamação é amante irrevogável da culpa.
Sobretudo se essa culpa tiver o nome de "outro".
Quando a aridez dos desertos
Faz esquecer a certeza dos mares vencidos,
É porque a vitória já foi afogada, com o faraó, nas águas da dúvida.
Para quem faz da vida um balcão de reclamações,
A senha de atendimento costuma demorar pra chuchu.
Aliás, ele mesmo já virou chuchu:
Dependurado, aguado e com a casca espinhenta.
O silêncio dos que persistem me fascina.