Visitas

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Travessias

Não sei nadar.
Talvez por isso insista tanto em permanecer na margem,
Quietinho, fazendo dos olhos o maior mergulho possível.
E da poesia minha maior travessia.
É tão estreita essa travessia...
Tão simples e profunda ao mesmo tempo...
A distância entre uma margem e outra se mede em quilos sobre as costas.
Quando os pés não tocam o chão
Mas insistem em bater...
É porque a travessia se tornou berço.
Nasce tanta gente no meio do caminho!
A margem é a certeza de pisadas sólidas...
Secas, férteis.
A travessia é líquida.
E absurdamente turva.
Quem nasceu pra ser travessia não merece os pés dos que atravessam...
Por mais curtos que sejam seus dedos.
As margens são extensas.
A travessia, intensa.
A margem não é marginal,
É legal. Moral. Justa. E possui conta corrente.
A travessia é irresponsável, invasiva e contra a corrente.
E não possui outro fim senão o abismo.
Quando criança, eu só escrevia para além das margens do caderno.
As linhas laterais eram minha primeira censura.
Para quem chega a outra margem,
A travessia permanecerá sempre em alguma forma líquida...
O mar não contém margens,
Por isso, não se alcança com os olhos...
A travessia é pura travessura atravessada.
Onde o amor, ou nada, ou Nada.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Princípio

Não é onde se chega.
É de onde se parte.
O princípio é o começo.
Mas jamais será o fim.
Trair os próprios princípios é a primeira regra pra se chegar aonde se quer.
Estar em desacordo com aquilo que se pensa!
Um principiante faz de si e das próprias certezas um castelo.
Do qual a certeza de si é o mais cruel calabouço.
Sem começo, toda estrada é apenas rastro alheio.
Porém, só quando o princípio fica para além do próprio olhar
É que a ida vale a pena...
O Outro exige sempre uma despedida.
O princípio se faz em cada passo.
Ele se equilibra entre o principal e o precipício.
É principal quando impulsiona.
É precipício quando se torna ele mesmo a meta.
No começo era apenas o Princípio mesmo.
Depois virou Eu e meus princípios.
Já foi Eu, meus princípios traídos e perdoados.
Mas ultimamente tem sido Eu, meus princípios traídos, perdoados
E uma porção de hipóteses...
Somos príncipes quando nos orgulhamos da coroa recebida...
Mas Reis quando as conquistamos.
No princípio era o Verbo,
Que preferiu ser Carne.
Quando o humano se faz ida,
O deus se faz vinda.


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A inspiração do poeta

Inspirar. Respirar. Inspirar. Respirar.
O artista nos retira do sufoco de existir.
E a diferença da existência se chama vida!
Um poeta não escreve para agradar aos olhos.
Escreve para penetrar as narinas.
Sim, eu também tenho a mania de cheirar livros.
Descubro fragâncias ocultas em palavras empoeiradas.
Para quem tem alergia ao cheiro do Ser,
Uma palavra aspirada incomoda...
E é espirrada em forma de vírus.
Úmido. Letal.
Ser poeta é ser infectado por uma febre que não se expele nunca.
Mas que eleva a temperatura da alma,
E provoca calafrios incessantes.
Uma poesia é o suor gelado de um coração quente.
Que com mãos frias destila a liberdade em forma de palavras.
Os beijos mais intensos partem das pontas dos dedos.
A inspiração é uma piração.
É impossível vigiar o poeta.
A arte é tão invisível como o ar.
E viaja sem pagar passagem no movimento do vento.
A inspiração é também respiração.
O poeta sem escrever é cadáver.
Com algodão nas narinas
E flores nos pés.
Mas leva tempo para o artista perceber
Que a inspiração também é expiração.
E que a poesia mais bela é a que não se escreve.
Ela permanece alojada com o gás carbônico-vital do peito
E viaja de carona no sangue venoso da vida.
O expirar do poeta
É o respirar do universo.
Calar não dói.


sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O último dia

Não há penitência maior que o arrependimento.
E o pior arrependimento é o de não ter feito algo.
Quando o "eu devia ter feito..." sopra aos ouvidos,
O presente se torna uma coleção de "talvezes".
A iminência da morte é o lugar do encontro com o
"Eu poderia ter sido..."
Não há juízo mais severo e mais sarcástico do que o hoje!
Hoje fui assaltado!
E o frio da arma alheia na minha cabeça
Foi um sinal do tempo gritando: 
"Jamais congelarei! Derreto-me a cada fragmento de segundo".
O fim sempre nos encontra despreparados.
Afinal, o que é o fim senão uma declaração da vida ida?
É a fatura emitida após os desperdícios...
O que tiver de ser feito, 
O que tiver de ser dito,
O que tiver de ser tentado,
Ou é hoje, ou nunca.
O deus reconcilia todo imperfeito
Quando habita o pretérito perfeito,
Mas exorciza todo "futuro do pretérito",
Que faz a vida uma prisão de "seria..."s.
São João da Cruz tem uma frase que repito todos os dias:
"No fim da vida, seremos julgados pelo Amor!"
Hoje, quando todo Ontem desapareceu diante do medo do fim,
Eu me lembrei que Amei.
E por um fragmento minúsculo e gentil,
Tudo pareceu ter valido a pena.
A arma (que era preta e não de cobre) não foi disparada.
Quem decidiu morrer foi a dúvida.
Para quem ama.
Hoje é sempre o primeiro e o último dia.