Deus e o povo - "Os Demônios" Dostoiévski

Mas aquele que não tem povo
Também não tem tem Deus!
Saibam ao certo que todos aqueles,
Que deixam de compreender o seu povo,
E perdem os seus vínculos com ele,
Na mesma medida perdem imediatamente também a fé na pátria,
Se tornam ateus ou indiferentes!

Dostoiévski - "Os Demônios"

Oh, meus amigos!
Vocês não podem imaginar
Que tristeza e que raiva,
Tomam conta de sua alma,
Quando você já vem há muito tempo,
Acalentando e venerando como sagrada uma grande idéia,
E ela é apanhada por gente inábil
E levada a iguais imbecis, na rua,
E de repente você a encontra já num brechó,
Irreconhecível, na lama,
Exposta de maneira absurda,
Num canto, sem proporção, sem harmonia,
Como um brinquedo nas mãos de meninos tolos!

Hoje, somente hoje

Hoje, somente hoje,
A noite engoliu a escuridão,
E bebeu todos os medos.
Hoje, somente hoje,
O céu se vestiu de luz,
E espantou todos as trevas.
Hoje, somente hoje,
Uma estrela passou distribuindo sorriso ao universo.
E o cosmos, agradecido, se curvou.
Hoje, somente hoje,
Braços e mãos se tocarão,
E se beijarão numa sinfonia melódica.
Hoje, somente hoje,
Pobres e ricos banquetearão juntos.
E sua refeição terá sabor de eternidade.
Hoje, somente hoje,
Os tios distantes aparecerão,
E as primas grávidas, E os genros, E as noras.
Hoje, somente hoje,
A mesa ficará ali, estática, transbordante,
Aguardando a oração pro início da festa.
Hoje, somente hoje,
O perdão insistirá em pedir licença ao rancor.
E quando os olhos se cruzarem, ele falará mais alto.
Hoje, somente hoje,
Valerá a pena ter nascido,
Ter lutado o ano todo, chorado, desistido, e depois recomeçado.
Hoje, somente hoje,
Não seremos mais médicos, professores, pedreiros, arquitetos, lixeiros ou padres,
Seremos todos membros da raça humana.
Frágil, desconcertada,
Estupidamente insistente em seus erros.
Mas hoje, somente hoje,
Essa mesma raça,
Poderá erguer um brinde a si mesmo,
Pois na simplicidade de um menino,
Ela foi resgatada.
Hoje, somente hoje,
Nos lembraremos que a luz não habita em montanhas,
Em palácios, presentes ou faixadas,
Mas em uma criança.
Pequena, pobre, envolta em panos.
Hoje, somente hoje,
Pararemos nossas vidas agitadas,
Para seguir uma estrela.
E para sermos estrelas.
E apontar para o mundo a beleza de crer.
Então, Hoje, somente e apenas hoje,
Valerá a pena viver!

61%

Estou extremamente feliz.
Acabei de receber a notícia de que os deputados, senadores e presidente da República receberão 61% de aumento em seus salário.
Que coisa maravilhosa!
O Brasil é a terra do esculacho!
Enquanto lutam para aumentar 7% o salário mínimo,
E brigam, e lutam por meio ponto percentual.
Em Brasília, da noite por dia,
Pum... 61%.
Você pode me perguntar,
E como é possível estar feliz com isso?
Simples.
Tenho orgulho de ter políticos como os nossos.
Tenho orgulho de viver na terra da piada.
Lembro-me das peças de Nelson Rodrigues,
O brasileiro adora ser esculachado.
Traído,
Pisado,
Jogado na parede e ser chamado de lagartixa.
Estatelados...
Esturricados...
Viva o Brasil!
Afinal, amanhã tem futebol.
Meu país é uma peça do Nelson!

Escrever

Há dias estou sem escrever.
Isso me dói muito.
A correria das atividades de fim de ano.
A espera ansiosa por uma nova etapa.
A ansiedade por ser outro.
Escrever não combina com tensão.
Porque escrever, para mim é esticar-me.
Nas palavras estico o que sou em prosa e verso.
Estico existência em forma de letras.
Quando a pressão do dia-a-dia comprime o ser.
E o corre-corre impede que eu puxe em palavras a vida.
Sinto-me ferido.
Ausente de mim.
Desfocado.
Preciso fazer da Escrita minha Eucaristia diária.
Minha forma de comungar o mundo.
No texto erijo altares.
Consagro o Ser aos olhos leitores do universo.
Dói-me não escrever.
Calvário em forma de silêncio.
E linhas apagadas.
Senhor, dai-me a constância na escrita.