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segunda-feira, 19 de julho de 2010

A respiração da flautista

Há alguns dias atrás eu ouvi uma flautista.
Ouvi a respiração ofegante da senhora idosa, com sotaque francês e fartos cabelos brancos.
Eu vi o divino soprando a história.
A flautista era magra, pequena e com mais de 80.
Tinha um sorriso intenso e nítido e uma mão enrugada e meiga, que fazia carinho no instrumento.
Ao empunhar a flauta, empunhou também minha esperança.
Ergueu-a como se fosse uma espada chinesa.
Chamou a atenção de todos no restaurante, que, extáticos, desempunharam seus talheres para ouvir a vida soprar melodias suaves.
Quinze minutos de eternidade, traduzidos em quatro canções mágicas.
O que mais me chamou a atenção, por incrível que pareça, não foram as músicas.
Embora bonitas, elas não me seduziram.
O respirar da flautista, isso me cativou.
Cansada, exausta pela vida intensa, ela conseguiu mover todos os músculos de seu mirrado corpo para que o sopro saísse.
Era uma fonte jorrando.
Entrei em seus pulmões miúdos naquela noite.
Senti o hálito quente de quem se doa por uma causa.
Suave, ela me fascinou com o ar que entrava frio e saía quente de seu peito.
Bendita flauta que recebia feliz toda a vida daquela senhora.
Confesso que tive vontade de ser aquela flauta.
Acariciado por aquelas mãozinhas calejadas.
Inspirado por aquele ar quente e educado.
E soprar músicas com a alma.
Naquela noite pedi a Deus que no fim da minha vida breve, eu possa ter a coragem de não parar minha respiração por nada.
Roguei ao Senhor dos hálitos, que mesmo no meu cansaço eu saiba inspirar esperança nas pessoas.
E que minha vida seja uma melodia suave na noite triste do Universo.
E serei sopro.

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