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quarta-feira, 14 de julho de 2010

Uma crônica de férias...

UMA PAREDE DE PEDRAS

Estou de férias. Escrevo do Santuário do Caraça, no fascinante interior mineiro. Lugar de silêncio. Inspiração. Por aqui passaram milhares de jovens durante quase duzentos anos, formados na mais rígida disciplina e na mais austera educação. Sim, naquela época a austeridade e a disciplina eram coisas boas. Ninguém torcia o nariz para elas. Os padres carecas e sisudos dos quadros das paredes do Caraça me fizeram refletir ontem sobre isso: austeridade e disciplina. Que coisa maluca! Como pude pensar em coisas tão áridas justamente num lugar de relaxamento e prazer. Que engano! O Caraça é traiçoeiro!
Que vem pra cá buscando a calma sairá incomodado. Sentirá seu sangue ferver ao contemplar as montanhas íngremes e ferozes que com sua imensidão nos provocam a escalá-las. Principalmente quando vemos uma igrejinha no alto gritando: “Alguém me pôs aqui!” Mais do que isso. Sentirá arrepio em pensar na dificuldade imensa de alguém que, suando a cachoerias, empilhou pedras para erguer uma bela igreja do tamanho de um prédio de dez andares. E o Caraça me provocou.
Exatamente agora, enquanto escrevo, contemplo um recorte de parede antigo preservado em sua construção original. Está aqui há mais de duzentos anos. Intacta. Eterna. A parede não é construída apenas por grandes blocos de pedra. Por si só eles não se sustentariam. Entre cada uma dessas pedras gigantes, há pequenas lascas de rocha, colocadas minuciosamente nos vãos. Espremidas no meio dos grandes blocos e embebidas de barro, as miúdas pedras dão a liga necessária para o sustento da obra. A vida funciona do mesmo modo. Somos o exato equilíbrio entre a austeridade e o peso da disciplina e a leveza e agilidade da liberdade.
Há um grande desequilíbrio no mundo de hoje. Falta liga. De um lado sempre existiram pessoas enormes, duras, completamente seduzidas pela rigidez da vida. Foram colocadas na existência de maneira arrastada e vivem desse mesmo modo. Pesadas, elas se apegaram à austeridade das normas e já não conseguem se mover. São aquelas pessoas voltadas para instituições e regras. Pessoas do poder. Vivem de nomes e títulos. Suas funções são aquilo que são e pronto! Na grande muralha social, ocupam espaço fixo.
Por outro lado, há as pequenas pedras lascadas. São aqueles que se esgueiram entre os blocos para sobreviver. Entraram atrasados na construção do mundo. São extremamente leves. Voam até! Esses precisam estar sempre agarrados a uma pedra enorme para sobreviver. Amalgamados no vão das relações, sabem se deslocar facilmente de um lado pro outro. São tortos, irritantemente tortos. Alegram a existência com sua agilidade. E parecem livres. Sobretudo livres!
O desequilíbrio acontece exatamente porque vivemos mais em tempo de pedras lascadas. Os grandes blocos estão quase todos dissolvidos. Eles também se cansaram do peso? Não sei, mas sei que cada vez menos surgem vocações para o grande. É raro identificar na sociedade de hoje pessoas que estejam dispostas a moldar suas vidas na austeridade de uma missão. Carregar o fardo de uma responsabilidade parece impossível aos corações modernos. Somos cada vez menos capazes de construir igrejinhas no alto das montanhas. Tenho medo de uma civilização que não suporta o peso do tempo. Tenho medo de um mundo leve demais. Pequenas pedras não fazem paredes. Fazem chão.
Olho para minha vida de pedra e a confronto com a daqueles padres dos retratos das paredes. Eles cruzaram oceanos, subiram e desceram montanhas para empilhar pedras. Montados em burros empacadores, embaixo de chuva ou de Sol escaldante, suportaram o peso do Evangelho sem reclamar. E construíram Igrejas. Souberam aliar a leveza com a disciplina. Entraram para a história.
Tenho medo de não conseguir nunca ser uma pedra, nem grande nem pequena. Temo ficar no vão da história. Ou pior, deslizar morro abaixo por não suportar o tempo. Uma pedra caída do muro é uma pedra esfacelada. Pisada. Pó. Deus tem me talhado. Tem insistido em me dar o molde perfeito para encaixar-me na parede concreta e enorme da vida. Mas, no meu comodismo, insisto em não me deixar amalgamar. O pecado da sociedade também é o meu. Começo a pensar que talvez eu não esteja sendo capaz de construir muralhas. Começo a pensar que fui exageradamente lascado. E temo não ter o equilíbrio de dar o sustento a uma obra. Meu desejo de conforto parece estar maior do que meu desejo de escalar montanhas.
Ó Deus, há muitas igrejas para serem erguidas nos altos montes. Há muitos desafios a serem superados. Não me permita nunca ficar no chão. Dá-me uma coragem semelhante aquela dos padres que ergueram o Caraça. Que eu não me apegue aos meus prazeres a ponto de sacrificar o equilíbrio da obra. Sou leve, porém meu lugar é na parede e não no chão. Ensina-me a ser fiel sem perder a liberdade. Quero uma austeridade torta! Quero uma responsabilidade esgueirada! Quero dar liga! E construir templos cálidos de esperança!

Um comentário:

mariab disse...

Que texto lindo! pra mim vc é uma parede "canjiquinhas", que Deus sempre te fortaleça e te inspire.