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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A cama assassinada

Quando abriu os olhos, acordou com a certeza de que tudo tinha sido um sonho.
Ele precisava se denunciar.
Afinal, ele próprio era o assassino.
Ao seu lado, ela jazia, emudecida.
Com sete facadas odiosas,
Ele havia esquartejado a cama onde dormia.
Sim, a cama, pois ela era um confessionário calado.
Onde o passado, feito de falta e dor,
Lhe sussurrava aos ouvidos toda noite.
A cama havia sido comprada em prestações.
Mas a promessa foi feita à vista.
Ali, ambos trocaram juras,
Beijos, gametas e depois tapas.
Solitário, nas noites quentes,
A cama lhe parecia um transatlântico.
Enquanto ele, um náufrago.
Quando os sonhos se partem em dois,
O pesadelo é inevitável.
E a cama, que um dia sustentara o peso de ambos,
Agora, perfurada, era o retrato de seu coração rasgado.
Com a faca graúda e reluzente,
Presente de uma madrinha que ele jamais escolheu,
Cortou a jugular do leito revestido em lençois de desilusão.
Ao sair pela rua na direção da delegacia,
De pijamas e travesseiro na mão,
Imaginava qual seria a acusação que faria contra si.
Afinal, a cama, indefesa, não teve direito algum de reação.
Ela sangrava serena,
E silenciosa, no quarto,
Era o retrato de um fim premeditado.
Triplamente qualificado.
Diante do delegado, que lhe perguntava o motivo,
Ele apenas acenava com um sorriso,
E não abria a boca,
Apenas pensava silente.
É saudade seu doutor, é saudade...
Eu a matei com um tiro de saudade.



3 comentários:

Suely Melo disse...

Não me canso de admirar os seus textos, professor.

Simplesmente
genial!

Gabi Grigoletto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gabi Grigoletto disse...

Muito bom!
Me vi
Me li...