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terça-feira, 6 de outubro de 2015

O forno e a poesia lá do alto

Tenho outras que depois te mostro.
É que não alcanço onde elas estão.
O mais belo poema não se apresenta logo de cara.
Ele precisa ser garimpado.
Pois está escondido no lugar mais perigoso de todos.
O lugar das incertezas.
Não se apresenta os mais belos versos da alma
A quem não consegue compreender sequer a primeira linha.
Ontem pus minha foto de criança pra todos verem.
Eu era assustado com o mundo,
Que pra mim era sempre algo a ser descrito.
Eu brincava de ser professor.
De narrar jogos de futebol.
E de falar sozinho.
Minhas palavras eram meus brinquedos
E eu as provocava até saírem espremidas pelo lápis.
Mas eu gostava mesmo era de giz-de-cera.
E caderno Jandaia que tinha cheiro ruim.
Um dia minha mãe me disse que eu entrei no forno.
E quase virei o fogão com panela e tudo.
Não sei porque, mas foi ali que minha consciência cartesiana brotou
E eu me descobri sujeito pensante ao invés de ser pão ou bolo.
Asso logo existo.
Desde então escrevo desse jeito.
Cozinhando inteiro por dentro antes de desenfornar.
Primeiro eu unto bem os sentimentos,
Enfarinho a forma da língua-mãe-madrasta
E depois coloco aos 200 graus centígrados
A mistura fermentada de desejo-raiva-ansiedade-e-medo.
Eu não te prometo que o bolo ficará bom,
Mas prometo a aventura de vê-lo crescer,
Devagarinho,
Dourando e espalhando cheiro pela casa,
Até que a fumaça atinja a altura necessária,
Para alcançar a poesia que ficou lá no alto.
Esperando o momento certo de ser saboreada.


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