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sábado, 24 de setembro de 2011

A vida sem Objeto: Chico Bento e as Goiabas

Teste de Gramática.
Na frase: "José comeu a goiaba",
Qual é o Objeto?
Resposta de hoje: Comer.
Implosão da língua portuguesa.
Se estivéssemos no século XX,
Com suas bombas nucleares, muros de Berlim,
URSS e EUA, e pegadas de homens na Lua,
A goiaba seria a resposta correta.
Inclusive, pouco importava que ela tivesse bicho.
Os tempos passaram,
As verdades desabaram como muros.
E, embora a goiabeira continue a produzir seus frutos,
O José não é mais o mesmo.
Embora a fome seja.
Vivemos o tempo do Não-Objeto.
O aluno que não sabe completar a frase,
E escrever uma linha sequer,
É refém do mundo que o cerca.
Ele desaprendeu a subir em árvores.
Não importa a goiaba.
Importa o meu "comer".
Nem o sujeito importa mais.
Passamos dias, meses e anos "comendo" sem saber o quê.
Devoramos tudo ao nosso redor via chats e gadgets.
Em um click eu piso na Lua via Google.
Com outro, eu deleto pessoas que, ao meu ver,
São mais abjetos do que objetos.
Facebookeamos a vida.
Relações válidas, eu creio.
Porém sem sabor de Goiaba arrancada do pé.
Quando pequeno eu lia o Chico Bento.
Ele era um deus quando subia na goiabeira do vizinho,
Pra roubar o fruto proibido.
Isso lhe custou várias espingardadas de sal.
O Chico Bento era livre.
Lembro-me da bochecha dele,
Rechonchuda,
Gozando a eternidade em vermelho carne.
A goiaba como hóstia universal.
Ali a vida era objeto,
Dependurada em galhos frágeis.
Olho ao meu redor e vejo pessoas tênues.
Vagando tristes por sites, links e frases monossilábicas.
Vejo relacionamentos indexados por trilhos tristes.
Onde o único vagão é o da provisoriedade.
Vejo goiabas caídas ao chão.
A vida perdeu seus objetos.
Desvencilhou-se de suas raízes.
Somos infelizes porque nos basta saber que podemos comer.
Acessar, Conectar, Googlear, Skypear, Eme-esse-enear,
E deletar.
As goiabas já não nascem em árvores de galhos tortos,
Mas em bancas floridas de hipermercados.
Rezo pra que nesse mundo,
Onde não há mais sujeitos nem objetos,
O "comer" não seja a resposta última da humanidade.
E que as sementes de goiabas passadas
Não sejam esquecidas.

2 comentários:

Maximiliano disse...

Texto interessante! Esses dias atrás eu conversava com uma professora (via Facebook, rs) sobre essas relações confusas que se estabelecem a partir do “mundo virtual”. É um assunto que dá o que pensar em termos formativos; em questões legais (como direitos autorais e coisa e tal) e etc. Não tenho uma opinião concreta respeito, mas não acredito que as que a internet e as tecnologias que estão relacionadas ao seu uso são coisas do “capeta”, também não acho que se viva muito melhor ou muito pior em décadas passadas. De certo que aspectos formativos do seres humanos mudaram radicalmente (como sempre mudaram e mudarão com o passar do tempo). Mudaram tanto que não sei se existe uma unidade de medida pra quantificar perdas e ganhos duma geração que cresceu subindo em árvores e brincando de pega-pega na rua, comparada a uma nova geração que nasceu com computador em casa (se é que existam esses dois lados da balança). Talvez a indiferença, violência, solidão, relações superficiais ( que geralmente acusam o “demônio internet”) sejam coisas bem humanas que sempre nos assombraram... Mas concordo que existem fatos que merecem ser lembrados como sinal de perigo, mas como dizia o velho bigodudo (Belchior): “o novo sempre vem”.

mariab disse...

Assaltaram a gramática
Assassinaram a lógica
Meteram poesia, na bagunça do dia-a-dia...(Paralamas do sucesso)

Que venha o novo!!! E é muito bom...mas a goiaba apanhada no pé com certeza é muito mais saborosa.Viva o Chico-Bento! Paz e Bem!