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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A dor não assoada

Nelson Rodrigues: "Não se assoa a dor mais profunda".
Genial!!!
A vida é o que se estende entre duas solidões.
Do nada inicial ao nada que nos espera há um tudo se fazendo.
Quando o rio caminha lentamente para o oceano,
Ele simplesmente vai.
Não reclama.
Mesmo nas quedas ele aproveita pra dar espetáculo.
O rio sabe que só existe sendo.
O rio se nada.
Felizes os que olham pro oceano e enxergam o rio.
Na água salgada do mar
Há o tempero destemperado de um líquido doce.
Existir é caminhar na direção contrária à nascente.
Viver é consentir com a foz que nos espera.
Sinto muito em dizer: não há esperança para o pobre rio.
Ele já nasceu desaguado.
Ele que se revolte em outras margens!
Não se pode tirar do fluir o fim que o aguarda.
Todo final é sempre um espetáculo.
Tudo se reconcilia quando não há mais margens.
O mar, ansioso, abre sua boca para engolir o tortuoso rio.
Assoar a dor de ser sendo é secar o rio.
Extirpar a solidão da vida em gotículas de ilusões é uma catástrofe.
A diferença entre a catástrofe e a tragédia é a quantidade.
A catástrofe é coletiva e deseducada.
Não pede licensa. Humilha e foge.
A tragédia é pessoal, intransferível e silenciosa,
Mas com alcance universal.
Na cruz, o Deus morreu asfixiado.
Ele não assoou.
Deu um forte grito e expirou.
Ele não espirrou.
Dor tragada do mundo.
Ele, oceano, foi rio corrido e bebido.
Não, a cruz não é catástrofe.
A cruz é tragédia.
É o pedágio entre o rio e o oceano.
Dá-me, Deus-azul-mar-céu,
A persistência de rios sinuosos.
E que minhas dores não sejam assoadas.
Que elas formem em mim um caudaloso leito.
Piscoso, quieto, solitário.
Onde borboletas não pousem,
Mas saciem sua sede
E alcem voos coloridos.

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