Visitas

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O Ex-pirado: Um conto sobre o Pentecostes

Era madrugadinha de sábado pra domingo.
E a fogueira ainda estava acesa.
Fazia frio, e o tremor de dentro se juntava ao de fora.
As porteiras do sítio estavam fechadas.
No quintal, eles se olhavam desconfiados.
E um cachorro solitário latia seco, lá longe.
Tudo na roça era memória e fogo misturado!
O Ex-pirado era sentido em forma de canto de mãe-da-lua.

Eles não tinha bebido cachaça Salinas,
Mas, agachados, descascavam o fumo,
Enquanto na cozinha as mulheres cozinhavam milho e faziam pamonha.
De repente, alguém se lembrou do Ex-pirado.
E enquanto enrolava a palha pro cigarro,
Deu um dedo de assunto pra roda:
"- É, pois é, o Homem amou até virar tição!
 - Pegou fogo de tanto se dar!"

Sem precisar de mais explicações,
Todos compreenderam o resto:
Havia uma pira acesa no interior daquele Homem.
E de tanto se fazer tocha,
Fumegou até a última brasa sobre dois dormentes cruzados.
Queimando até o fim por cada um deles!
Ele, de tanto acender, ascendeu!

O que o mal tentou fazer virar fumaça,
Tinha se transformado em sopro.
Sopro + fogo = incêndio!
E o fogaréu se estabeleceu no coração gelado dos compadres.
O Ex-pirado havia incendiado uma lavoura inteira à sua volta.
E eles, pobres caipiras, eram os primeiros... os primeiros...

Por um fragmento de segundo redentor,
Quando o cheiro do milho cozido invadiu o terreiro,
Houve um emudecimento universal.
Os olhos miúdos e desconfiados se cruzaram tímidos.
E enquanto a porteira se abria e o milharal se explodia em espiga.
Cada um podia ver a brasa acesa no branco do olho do outro.
Sim, o Ex-pirado estava ali, bem no meio, acendendo a todos novamente!

Um clarão alumiou no breu da noite.
Na cozinha alguém gritou que o milho estava cozido, molinho, molinho!
Foi quando um moleque apareceu todo lambuzado,
Com a boca melada de esperança.
E os compadres cantaram modas de viola em várias línguas,
Desafinados, embriagados de vento e grãos!
Aquele causo fez as portas se abrirem com o vento.
E a vizinhança se achegou curiosa.
O frio havia passado.
E o alimento amarelo-doce se transformara em sacramento!

O Ex-pirado lambuzou de pamonha o Universo,
E provou da cachaça dançando Catira,
Os cachorros já estavam dormindo.
Tudo ali era uma coisa só: milho, chapéu, palha, fumo, viola.
Uma comunidade de irmãos havia nascido em forma de sopro.
A fogueira, um altar.

De repente, o Ex-pirado se levantou,
E todos os olhares se achegaram nele.
A viola ficou mudinha mudinha.
Com um papel de jornal com notícias passadas,
Ele fez um balão em preto-e-branco,
Acendeu uma chama nova,
Fresquinha, fresquinha, de tão quente,
E com um sopro suave,
Acendeu o brinquedo no meio do sertão enluarado.
E sumiu, escafedeu, deu com as botas!

No alto, alumiando a madrugada gelada de Maio,
O balão subiu tão alto, tão alto, que parecia pomba.
E os caipiras acompanharam calados, emineirados,
Primeiro com os olhos, depois com os dedos,
Aquele vento-e-fogo-e-história que tinha ascendido aos céus.
E que os fazia se abraçarem, cálidos, únicos,
Redimidos por um sorriso bobo e faceiro que até hoje chamam de Salvação.
O frio tinha sido vencido pelo calor...
A vida voava incendiada novamente.
Tudo fazia sentido.

Assim compreenderam que
O último sopro do Ex-pirado.
Fora o primeiro da roça!
O sertão se transformara em firmamento!

Um comentário:

mariab disse...

Sopra sobre mim Senhor uma brisa leve que toque bem profundo em meu ser... que JESUS habite em nós. Parabéns!!! Sua imaginação esta a mil Continue inspirado pelo Espírito Santo. Adorei,perfeito.Beijão!!