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domingo, 2 de dezembro de 2012

A formiga

Ela não sabia para onde ia.
Muito menos o porquê daquele grão de açúcar sobre o dorso.
Mas ela tinha antenas.
E patas miúdas e leves que a conduziam para longe de qualquer chão.
Assim perambulava a formiga, minúscula, e insética.
Ela corrigiu seu caminho.
E a correição sinuosa foi ficando para trás,
Como uma procissão acesa pelas vielas de terra e grãos pisada pelos homens enormes.
A formiga, apesar de continuar com o doce do percurso nas costas,
Não se contentava mais com uma existência feita de segmento-seguimento.
Passou a se seguir.
E a conduzir seu torrãozinho pelas vielas tortuosas da solidão.
Vermelha, ela era feita de terra.
E um pouco de veneno também.
A cada passo distante da fila,
Sentia-se insegura, e atraída pela imensidão perfurante do universo.
A formiga tinha um gosto terrível de terra na boca.
E porque não o cuspia, era uma terráquea.
A chuva viria, e em breve.
Não restaria mais abrigo.
Nem o calor das "outras",
Muito menos o beijo cálido das semelhantes no encontro diário.
Ela estava só.
Ela, o açúcar e o absurdo da existência.
Alguém já viu uma lágrima de formiga?
Eu já. E posso garantir que é enorme.
E líquida. Inexplicavelmente líquida.
Às vezes a formiga se sentava à beira do riacho...
E se via refletida na imensidão oceânica à sua frente.
E era nesses momentos que o passado feito de filas e ósculos
Se apresentava graúdo...
E inútil.
A formiga não tinha mais formigueiro.
Tinha apenas o açúcar redondo sobre os ombros frágeis.
E foi exatamete aí, que ela sentiu o peso do universo sobre si.
Sim, um grão de açúcar tem o mesmo peso do mundo.
Assim, aprendeu calada que era no carregar dos grãos que estava sua sina.
E não nas linhas tortuosas da correição movente.
Ela adoçava o pisável da história,
E isso bastava,
Ainda que com isso fosse pisada também.
Nunca mais a vi.
Talvez eu mesmo a tenha pisado por aí...
Ando tão distraído.
As formigas nunca viram borboletas.
E acredite, ainda assim,
Podem voar.




Um comentário:

Suely Melo disse...

Lindo, lindo, lindo! Aliás é bem mais que isso. P/ mim, carrega todo um universo de sentidos. É sempre uma alegria ler-te, Thiago. E não posso ler algo tão bonito e não comentar.
"Ela, o açúcar e o absurdo da existência" - sensacional. Um beijo