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sábado, 18 de abril de 2015

Aos desporquês

É como se o tempo acabasse sempre hoje.
Minhas decisões pra toda vida não duram mais do que horas.
Pois a vida pra mim são sempre algumas horas.
Escrevo enquanto viajo vendo o horizonte.
Ele se põe quieto, rápido e vermelho.
Ele não se justifica e, por isso,
Pode ser vermelho e dormir em paz.
Sim, eu me justifico escrevendo.
E não durmo em paz.
As palavras são minha arte de impaciência.
São meus impulsos por agoras feitos verbetes fugitivos.
Nunca faço poesia de um dia pro outro.
Escrevo a sangue quente.
Com raiva.
Com medo.
Com paixão.
Ou tudo junto, feito febre e ferida.
Mas é quando o sangue esfria que sinto o tédio.
E não há nada mais cruel que o tédio de se saber um “eu” que permanece.
Sei que vigiam o que escrevo.
Buscam entre as vírgulas acentos pra assentarem seus desporquês.
E acendem o fogo das calúnias com a lenha da mediocridade.
Não me importo.
Recolho as brasas,
Derreto minhas ordens.
E aqueço a solidão das noites imunes às lágrimas,
Com as faíscas inocentes e caóticas como devem ser.
Minha poesia é tatuada.
Ela me perfura antes de existir.
Vivo em trânsito para não viver em transe.
Eu não temo o fim. Eu o escolho como percurso.
Eu o bebo nas linhas tortas do inesperado.
Pecado mesmo é virar pretérito-mais-que-perfeito.
Como toco esquecido de uma árvore ida.
Ao qual a única esperança são os fungos.

O poeta, incurável, só sabe mesmo é brotar em podas.

Um comentário:

Suely Melo disse...

Texto mais lindo! E sua poesia é absolutamente encantadora e rica. É sempre uma delícia ler seus escritos.

Bjs