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sábado, 10 de outubro de 2015

Berne

Em matéria de amor continuamos rodriguianos.
E talvez nunca o sejamos tanto.
Há um quê de crueldade em quem ama.
Porque o Outro só aparece mesmo quando é espremido.
Minha vó uma vez disse pra tomar cuidado com a "berne".
Pra quem não sabe, explico como alerta:
Começa com uma ferida aberta.
Que deixamos aberta por preguiça mesmo.
Na verdade, nem lembramos mais quem abriu.
A ferida é a ponte entre o "eu" e o mundo.
Pois é na dor que descobrimos que existimos.
Vem a mosca. Sorrateira. Inseta.
Aparentemente minúscula.
E, Zumbindo, deposita ingenuamente um milhão de ovos-perguntas
Na ferida-feito-fuga-e-flor.
Ovos chocados pela ilusão da possibilidade.
A mosca, que de tão leve não precisa bater asas pra ser levada pelo vento,
Dizem que foi vista em outro continente.
Mas a "berne" fica.
E incha bonito, como uma mulher grávida,
Chutada por dentro
Pela vida que suplica passagem.
"Berne" é todo amante doente de esperança.
Fecundado por asas que ainda não nasceram.
O problema é que a "berne" não nasce.
Só faz mesmo é doer e dar febre. E sede.
Minha mãe me levou na farmácia pra vazar a "berne"
Que em mim, engravidou meu cotovelo.
Lembro-me da agulha entrando em mim,
Como se furasse uma bexiga em festa infantil antes da hora.
Transgressora. Criminosa.
Eu esvaziava.
Pois via o líquido jorrar da ferida como uma fonte nova.
E num misto de choro e risada,
Dava a luz ao que de mais belo pode existir.
O de Dentro e o de Fora já não existiam.
Pois entre a Memória e a Cicatriz um beijo foi selado.
Todo mundo merece uma nova chance pra ser vítima.
Os melhores beijos não serão dados.
Serão sequestrados.

(Releio o texto e penso o título do post, que, por raiva, será berne mesmo)




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