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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Cinza e Pó

Eu gosto de Quaresma sim e daí?
Para mim não é um período triste.
Para mim, é um momento fecundo.
Pra começar, eu adoro roxo.
É uma cor assim meio que convidativa.
O roxo pega na gente.
Não é a gente que vive a quaresma,
É ela que apaixona a gente.
Ela tem um quê de interior.
Quarenta dias de travessia.
Sim, há um deserto enorme diante de nós.
E ele se chama vida.
Quando eu era criança,
Minha vó (que eu só lembro com uma perna)
Falava que não podia dançar nessa época porque o lobisomem pegava.
Eu fquei sabendo de uma cidadezinha chamada Joanópolis que tem lobisomem.
Mas tem cachoeira também.
E isso já compensa o medo.
Quaresma era tempo de fazer silêncio.
De não bater palma na missa.
E de não comer carne de sexta.
Eu, que detesto cheiro de peixe,
Já vivia minhas penitências só com o cheiro do danado.
Pronto, não precisava nem jejuar mais.
Bastava o cheiro do bicho entrar pelas narinas e meus pecados estavam pagos.
Mas dia interessante mesmo é a quarta de cinzas.
Todo mundo amuadinho, depois das festas da carne.
Cinzas na cabeça do povo.
É interessante ver como o pó dá medo.
O pó é o que para mim mais se aproxima do átomo.
Como eu não consigo enxergar átomo, me contento com pó de cinzas.
Saber que no fim seremos tão minúsculos é estranho.
Mas é bom.
As cinzas da quarta-feira poderiam ser tempero também.
É a matéria toda do universo que poderia ser devorada.
O mais interessante de virar cinza
É poder ser assoprado!
Aspirado!
Pisado!
Virar cimento!
E não reclamar, sobretudo não reclamar.
Não, eu não consigo fazer grandes penitências na quaresma.
Mas as pequenas eu faço.
Resguardo.
Eu rezo toda noite: Sim, Senhor, eu aceito virar cimento!
Aceito não querer nada mais do que ser simplesmente um átomo.
Aceito ter medo de lobisomem.
Aceito ser feliz apenas com cachoeiras.
Aceito me contentar com a vida de interior.
Mesmo longe, perdido no silêncio ensurdecedor da solidão da metrópole.
Hoje eu descobri que converter-se é contentar-se com cinzas.
E pó.
E só!

Um comentário:

mariab disse...

“Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras” (Hb 10, 24).Mensagem do Papa Bento XVI para a Quaresma 2012.Tenhamos todos uma frutuosa Quaresma!

Seremos aquilo que já somos, pó apenas pó... Muito lindo seu texto, como sempre caprichado, saudades ! Beijo!