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sábado, 25 de fevereiro de 2012

Uma cantora e seu chapéu

Ela me encantou.
Por miseráveis minutos de espera na porta do metrô
Eu senti o cheiro do som.
E ele era bom.
Sobre um salto quinze e suas botas douradas
A artista de rua soltava a voz e os cabelos em tempestade.
Garoava e eu aguardava amigos para um encontro.
Ela, apaixonada pelo dom de ser livre,
Atraia de todos os esperantes olhares variados.
Debochados, sarcásticos, invejosos.
Sozinha, rodeada pela fome de nada da mutidão correndo ao seu entretenimento
Ela era uma obra de arte.
Estética da existência sobrevoando a esquina da Paulista com a Augusta!
Uma caixinha de som furada,
Batom exagerado, vermelho-maravilha sanguinolento.
A cantora havia devorado o preconceito.
Ele, ela, tanto fazia naquela hora
O artista não precisa de gênero.
Ele se pinta com a cor que o mundo derrama sobre ele.
Nem todos os juízos categóricos a enquadrariam naquele momento.
A luz dos letreiros tristes,
As buzinas dos carros condenados,
O pisar trêmulo dos transeuntes exaustos,
Enfim livres, sexta-feirados como numa abolição.
Nada impedia a cantora de vibrar suas cordas vocais em um manifesto.
E estender seu chapéu.
Não, ela não queria uma moeda.
Ela queria um olhar atento.
Um simples gesto de que sua arte havia encontrado eco na multidão.
Desafinada, rouca, feia até.
E daí? Por uns poucos instantes ela era estupidamente linda!
E a avenida mais rica do país lhe beijara as nádegas em suas esquinas.
Ser artista, hoje, no mundo do lazer futil
É uma afronta solitária.
Em tempos onde o sensível cedeu espaço ao prazeroso-relaxante
O chapéu da cantora terminou o show vazio.
Transpirante, ela tirou as botas se equilibrando como bêbada,
E desceu a Augusta feliz.
Infinitamente feliz.
Sua arte havia reconciliado um universo.

Um comentário:

p. disse...

a criatividade me conquista, sempre. E quando me dou conta disso, quando bate de frente, solto um sorriso. Essa mulher me encantou.