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quinta-feira, 1 de março de 2012

Fossa e Esgoto

Diferença fundamental sintetizada em canos.
A fossa armazena.
O esgoto canaliza.
A fossa é soterrada.
O esgoto vai pro rio.
A fossa acumula.
O esgoto libera.
A fossa é substantivo.
Esgoto é verbo passivado.
Fossa também pode ser adjetivo.
De alguém que de tanto levar defecções alheias,
Acumulou em si o dejeto do mundo.
Escrevo defecções porque escrever cocô é muito delicado.
E escrever merda é feio.
O esgoto, que vem do verbo esgotar,
É mais limpinho, é fino, dependendo do duto.
Alguém esgotado, apesar de um dia também sentir o dejeto do mundo correndo em suas veias,
Sabe que nada ficará nele.
Ou com ele.
Tudo fluirá para as correntezas baixas onde deságuam o Ser.
A partir das fossas, muito já se criou.
Até música sertaneja.
O acúmulo gera inspiração.
Já dizia o grande Nelson Rodrigues:
Não se assoa a dor mais profunda.
O esgoto, que não sabe segurar nada em si,
Vive se esvaziando.
Os canos que o compõem são escondidos.
Vivem atrás das paredes.
E vivem levando o incômodo para longe de nossos olhos.
Não há poesia no esgoto.
Sim, a arte também é uma espécie de fossa.
O artista é um acúmulo lento.
Escondido soterrado onde ninguém vê.
O artista suporta calado.
Ele não se esvazia canalizando o asco para rios.
Ele guarda.
Esgotar é desistir.
É uma fuga.
A fossa é real.
O esgoto é fingimento.
Esgoto + superfície = doença.
A fossa fossiliza o não-dito,
Aquilo que não se canaliza em palavras.
Fossa é imagem.
Esgoto é letra.
Triste é uma humanidade que não admite suas fossas.
E se esconde sob dutos invisíveis de hipocrisia.
Infeliz é aquele que joga tudo no rio mais próximo.
E anseia por um infinito absurdo em forma de oceano longínquo.
A fossa, no seu escondimento, sepultada,
Contenta-se em apenas estar alí, acumulada, enorme.
E se realiza sabendo que um dia será cheia.
Plena.
Ainda que esvaziados,
Os buracos deixados pelas fossas são eternos.
No oco mal-cheiroso do mundo
O Ser penetra e faz morada.

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