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terça-feira, 17 de julho de 2012

Fast-Food

Londres.
Balcão de uma loja de fast-food.
Sinto-me olhado e acusado.
Filas extensas e tensas.
Pessoas espremidas, se acotovelam para pegar um um sanduíche com gosto de isopor e recheado de impessoalidade.
A fome se reduz ao tamanho do combo para ela preparado.
Quando enfim, chegou meu esperado e esfaimado momento,
Fui acossado pelo vendedor inglês, (mas que poderia ser brasileiro, indiano, católico, espírita, canhoto ou destro, afinal, ele não tem nome, muito menos sobre-nome, ele tem crachá).
"Seu pedido senhor?"
"Um minuto, estou escolhendo!" (respondi abobado, olhando para as fotos ilustrativas e totêmicas estampadas no teto e que faziam de mim como um fiel adorando no interior de uma catedral as imagens redentoras)
5 segundos depois:
"Senhor, já escolheu?" (os olhos do vendedor estavam estralados e ele tinha um crachá enorme!)
"Ainda não, tudo me parece tão igual, não sei..."
"Senhor, o sr. está atrasando a fila!"
Num fragmento de segundo, eu vi uma multidão incontável atrás de mim batendo as tamancas.
Um criança redonda e vermelha carregada pelos pais, enfastiada e sem entender o porquê daquele empurra-empurra na direção do caixa,
Um casal com cara de lua-de-mel frustrada, impaciente, que tinha trocado um jantar romântico numa bela capital européia por uma dose cavalar de gordura trans me incitava a apressar-me!
Quando olhei para trás, vi um ônibus escolar descarregando uma procissão de adolescentes espinhentos que avançavam porta adentro na direção de hambúrgueres e refrigerantes tão simpáticos quanto o palhaço-marketing da loja.
De repente, um "Let´s go! Hurry!" (Vamos, rápido!) vindo de dentro da boca do atendente em minha direção soou como um soco!
Cai na lona da realidade e respondi educadamente em inglês que eu tinha escolhido não comer mais ali naquela noite e, oxalá, por toda a vida!
O atendente sentiu o golpe, e respondeu sorridente (coitado, preocupado com o fato de o gerente ter escutado minha ironia) um breve e melancólico "Sorry"! (mas que poderia ser traduzido por: perdoe-me, eu sou apenas um parafuso dessa geringonça toda!).
Virei as costas, altivo, mas absurdamente faminto.
E enquanto caminhava com a barriga roncando pelas ruas de Londres,
Tentava me reabilitar da pancada que havia levado do mundo da velocidade,
Me senti como um hambúrguer espremido no pão,
Acossado pela velocidade famigerada do capital,
Que mesmo em um momento tão sagrado como o da refeição,
Nos tira a pessoalidade que nos faz livres, e sobretudo humanos.
Nós não nascemos para sermos reduzidos a três ou quatro opções de combos,
Vazios de afeto,
Mas repletos de porcaria para o organismo.
Mais venenoso do que a gordura do sanduíche
É a indiferença do sistema que nos obriga a comer aquilo que não queremos,
E a sentir fome por aquilo que não alimenta.
Eu me senti devorado pelo lanche que iria comer.
Então, lembrei-me do meu avô,
Pobre, pouca escolaridade,
Um dia ele nos levou pra passear numa cidadezinha do interior.
Era tarde quando voltávamos e, sem precisar pedir,
Ele sabia da nossa fome e o que gostávamos de comer.
Sorridente e brincalhão,
Ele comprou comida barata e nutritiva num restaurante poeirento de beira de estrada,
E parou alguns kilometros adiante no acostamento,
Sem dizer nada, fez-nos descer à beira de uma cachoeira e uma fonte,
Ali, como um sacerdote, ele abriu os tesouros escondidos sob a marmita,
Arroz, feijão, madioca e costela.
Eu e meu irmão brigávamos, reclamando como crianças,
Porque queríamos comer sanduíche,
Mas meu avô, insistente,
Fez-nos comer tudo, escutando o som da água que corria límpida e gratuita da bica.
Lambuzados e saciados de afeto,
Seguimos adiante, alimentados!
Não, ele não queria economizar.
Ele queria ensinar que muito mais do que encher o bucho,
Comer significa abastecer-se de vida.
Vida feita de tempo, afeto e humanidade,
Onde as pessoas podem ter o tempo todo do mundo para escolherem.
O cardápio da humanidade é muito maior do que quatro ou cinco opções promocionais.
O que nos sacia está dentro de nós.
E não aquilo com o qual nos entupimos,
Seja sanduíche, bens, cargos, poderes...
O amor se revela na mesa.
Que, aliás, foi o lugar onde o Deus-das-bicas-e-marmitas
Quis se tornar alimento.
Sem pressa... Sem pressa...
O céu é feito de ceia!





Um comentário:

Marcelo Calçado disse...

Nossa! Me lembro como se fosse ontem dessa e de outras diversas vezes que paramos no mesmo lugar.
E dá-lhe fast food! E não me refiro ao alimento.
Boaa!